Esquecendo o necessário
No início deste mês de
maio, o banco Goldman Sachs, com sede nos Estados Unidos, autor de análises de
alto nível sobre a economia mundial, publicou um relatório sob o título O
Brasil caminha para a segunda década perdida em 40 anos. O título é um pouco estranho,
pois o banco diz textualmente que, em suas estimativas, o crescimento real do
Produto Interno Bruto (PIB) por habitante entre 1981 e 2020 deve ficar, na
média, em torno de 0,8% ao ano. A considerar que o período abrangido são os
últimos 40 anos, o crescimento medíocre mostra que o Brasil terá perdido quatro
décadas, não duas. A afirmação do Goldman Sachs de que o país poderá ter a
segunda década perdida decorre de que houve períodos de crescimento, mas duas
décadas foram tão negativas – os anos 1981-1990 e os anos a 2011-2020 – que os
períodos de crescimento foram anulados pelo tamanho da recessão dessas duas
décadas em particular.
O relatório coloca alguns
verbos no condicional mais por precaução redacional do que por haver
possibilidade de o Brasil se recuperar e não incorrer em desempenho tão fraco.
Essa cautela é apenas uma gentileza desnecessária, pois o país está diante de
apenas um ano e oito meses para encerrar a atual década e não há milagre capaz
de, até o fim de 2020, reverter o baixo crescimento médio dos últimos quarenta
anos. Essa taxa média de 0,8% de aumento do PIB é tão mais pífia quando se
considera que a população brasileira em 1980 era de 120 milhões e terminará
2020 com 209,7 milhões. É um resultado decepcionante para um país que dispunha
das condições suficientes para crescer e superar a pobreza, mas terminará a
segunda década deste século bastante atrasado e pobre.
Os governantes, e até
mesma a sociedade,
não tiveram a real percepção de que o
Estado brasileiro
cresceu e se atrofiou
Em editoriais anteriores
neste espaço, este jornal já vinha alertando para a ocorrência do mau
desempenho que o relatório do Goldman Sachs agora traz à tona, bem como sobre a
necessidade de sociedade e governo trabalharem para que o Brasil pare de desperdiçar
oportunidades de sair do estado de pobreza, o que depende de políticas,
práticas e reformas cuja necessidade são um consenso nacional, mas que o país
nunca concretiza. O economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs,
Alberto Ramos, afirma que "a realidade marcante e desconfortável é que o
crescimento da renda real per capita do Brasil desapontou durante as últimas
quatro décadas", acrescentando que a expansão do PIB foi uma decepção em
2017 e 2018, a recessão de 2015 e 2016 foi a mais grave nos últimos 100 anos e
a recuperação depois da recessão foi muito fraca.
O Ministro da Economia,
Paulo Guedes, vem explicando a vários públicos que todos os governos das
últimas cinco décadas cometeram o mesmo erro, cujo preço político foram
derrotas eleitorais na sequência. Os efeitos desse erro estão no baixo
crescimento do PIB, na pobreza e no atraso do país. Trata-se do fato de que
todos os governos, ainda que tendo políticas econômicas diferentes, tiveram
política fiscal frouxa, com déficits públicos crônicos, inchaço do setor
público e explosão de dívida governamental, coisas que, Guedes lembra, geram
inevitavelmente elevação de juros e elevação de impostos, o que transforma o
país no paraíso de bancos e rentistas, enquanto prejudica empreendedores e desestimula
a criação de negócios.
O ministro lembra que,
mesmo na gestão de Fernando Henrique Cardoso, quando o país teve vitória
espetacular no combate à inflação e uma política monetária eficiente, o governo
não fez a reforma do Estado, não diminuiu o tamanho do setor público em seu
conjunto, não eliminou os déficits fiscais, a dívida explodiu e o PSDB, partido
do governo, perdeu as cinco eleições presidenciais seguintes. Lula e Dilma
também incorreram no mesmo erro, além de outros peculiares a cada um deles, o
governo cresceu, a máquina estatal inchou, os déficits fiscais continuaram e a
dívida pública explodiu, e o PT terminou seus quatro mandatos de forma
melancólica no campo econômico, no campo político e no campo jurídico-moral.
Pois, com outras palavras,
é exatamente isso que diz o relatório do banco Goldman Sachs. Os governantes, e
até mesma a sociedade, não tiveram a real percepção de que o Estado brasileiro
cresceu e se atrofiou, tornando-se um monstro perdulário, endividado e caro
para a sociedade. E o banco alerta que, enquanto o país não fizer a reforma
fiscal e a reforma do Estado, as chances de crescer e superar o atraso são
quase nulas. O não reconhecimento da falência estatal em todas esferas –
municípios, estados e União – pode manter o país nessa situação de uma nação
que, apesar de recursos naturais abundantes, patinará no subdesenvolvimento
econômico e social. Tanto para o Ministro Paulo Guedes quanto para o banco
Goldman Sachs, todos os governos dos últimos 50 anos esqueceram o necessário: o
equilíbrio fiscal, o controle da dívida e o controle do crescimento do setor
estatal.
Editorial
Gazeta do Povo
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