sexta-feira, 12 de abril de 2019






Rosário e Haddad confirmam o óbvio: 
Bolsonaro não venceu por acaso

Foi sob o pretexto de impedir um movimento que supostamente tinha como objetivo instaurar o comunismo no Brasil que os militares deram um golpe na democracia. De fato, parte considerável da sociedade clamou por tal intervenção. Também é verdade que vozes respeitáveis como as de Fernando Gabeira e Eduardo Jorge confirmaram a intenção da esquerda, à época, em estabelecer uma ditadura para chamar de sua. Contudo, essas duas ressalvas não empanam a realidade: os militares rasgaram a Carta, perpetuaram-se no poder, cassaram direitos, torturaram e assassinaram brasileiros.

A ditadura foi tão brutal e traumática que quase 40 anos depois ainda influencia o debate público. Assim, não causa espanto que a reabertura democrática tenha sido marcada pelo sucesso eleitoral de candidaturas à esquerda. Inclusive coroando exilados e presos políticos.

Jamais saberemos ao certo, mas reza a lógica que, não tivessem os militares atropelado a Constituição, permanecido tanto tempo no poder e, acima de tudo, adotado táticas sanguinárias de modo a calar os seus opositores, talvez o pêndulo político-ideológico não tivesse guinado com tanta força no sentido contrário.

Pois guinou.

E foi sob a capa do vitimismo que a esquerda se lançou em busca do poder. Um argumento válido parece-me justo admiti-lo, mas que não deveria ter sido instrumentalizado como foi, de modo a instituir uma espécie de salvo-conduto para esmagar quaisquer obstáculos à viabilização de um projeto hegemônico. Tampouco, consumado o sucesso nas urnas, para aplicar rasteiras na sociedade.

Entretanto, exatamente assim foi feito.

Não custa lembrar, após um primeiro momento, quando Lula de fato seguiu os preceitos econômicos indicados por Fernando Henrique Cardoso, seu governo capitulou à sanha pela gastança desenfreada. O escândalo do mensalão e a bonança proporcionada pela conjuntura da economia mundial colaboraram para tamanha irresponsabilidade. O contexto explica, mas não justifica. Os mandatos de Dilma Rousseff apenas consumaram um comportamento que é comum entre aqueles afeitos ao conceito de Estado-mãe e toda sorte de falanges típicas de agendas populistas.

E não foi só na economia que o Partido dos Trabalhadores e legendas afiliadas torceram o braço do povo. Houve também o maior escândalo de corrupção na história recente da República. Houve o aparelhamento da máquina pública de modo a corromper e financiar a sua própria perpetuação no comando do Brasil. O enriquecimento de políticos como Sérgio Cabral e empresas como a Odebrecht, assim como o definhar da Petrobras não foram casos isolados, mas consequências naturais.

Por fim, se levarmos em conta que o surgimento da Operação Lava-Jato é recente, nada contribuiu mais para o paulatino crescimento de uma repulsa pela esquerda do que a sua postura diária.

A sensação de sufoco sempre foi palpável para aqueles que não rezavam pela cartilha do status quo. Além do que, lideranças como Lindbergh Farias, Gleisi Hoffmann, José Dirceu, Marco Aurélio Garcia, João Pedro Stédile e o próprio Luiz Inácio, dentre tantos outros, em momento algum ergueram a voz em prol do diálogo, em defesa do bom convívio e do arrefecimento dos humores. Bem ao contrário,  “eles têm que apanhar nas ruas e nas urnas” e “porrada nos coxinhas” foram manifestações que definiram o tom da dinastia petista.

Foi desse jeito, optando pela estratégia divide et impera, que a esquerda inoculou em boa parte da sociedade o obscurantismo. A aversão à troca de ideias com quem, afinal de contas, sempre esteve “do outro lado”. Em suma, criaram uma espécie de incubadora que mais cedo ou mais tarde tenderia a explodir.

Pois explodiu.

De certa forma, o bolsonarismo era um fenômeno esperado. Houve astúcia por parte do presidente e do seu time de assessores para surfar a onda no momento certo, claro, mas a rejeição ao Partido dos Trabalhadores e à esquerda em geral já estava consolidada.

Também não me impressiona a retórica raivosa, de uma boçalidade às vezes difícil de conceber. O atual governo sabe que esse discurso apenas incomoda quem de todo jeito já não o apoia. Por outro lado, funciona para ressuscitar traumas e rancores, combustíveis indispensáveis para manter acesa a sua militância.

O que me espanta é perceber o estado de negação e mesmo a obtusidade da esquerda.

Esperava-se, pelo menos este que vos escreve esperava, o comportamento de alguém que estivesse à vontade no papel de oposição. Afinal, esse sempre foi um posicionamento histórico dos chamados progressistas. Contudo, o que se vê são constantes tropeços, mesmo diante de um governo incapaz de passar muito tempo sem oferecer oportunidades a serem politicamente exploradas.

Pior do que isso, há uma clara preferência pela retórica e por atitudes que justamente levaram a sociedade e preferir até mesmo um candidato inóspito, de discurso odioso e sem qualquer traquejo para liderar o país a suportar outros 4 anos sob o seu jugo.

Não bastasse a insistência no endeusamento do ex-presidente Lula e a incapacidade de fazer autocrítica, bem como o apoio formal à ditadura Madurista, esta semana mesmo a deputada federal Maria do Rosário e o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad fizeram questão de reforçar esse sentimento.

Primeiro, graças a uma ação da deputada por injúria, o apresentador e comediante Danilo Gentili foi condenado a 6 meses de prisão; depois, candidato à presidência da República na eleição passada, Haddad entrou em um bate-boca ginasial com o vereador Carlos Bolsonaro, e usou um tom que, na opinião de muitos, inclusive grupos ligados à causa LGBTQ, flertou com a homofobia.

A relutância do Partido dos Trabalhadores e de boa parte da esquerda em fazer uma admissão pública dos crimes cometidos contra a sociedade e a preferência pelo discurso do ódio durante quase duas décadas é um acinte do ponto de vista moral, todavia, não deixa de ser compreensível dentro de uma estratégia pragmática.

A mudança no tom, ainda por cima agora, quando boa parte das pessoas se vê órfã de um discurso moderado, não seria apenas inteligente como abriria o caminho para um futuro além do lulopetismo.

Ao que parece, não há esse interesse.

Convenhamos, Bolsonaro não venceu por acaso.

Mario Vitor Rodrigues
Escritor, analista político
Gazeta do Povo

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