Os corneteiros do fracasso
Há um avião pronto para
decolar, com motor suficiente para te tirar da seca. Mas você quer saber se tem
vascaíno à bordo, qual a religião do fabricante e o signo do copiloto. Assim
está o Brasil, com um grupo de abnegados tentando fazer a reforma da Previdência
pegar no tranco apesar de vocês, os analistas zodiacais do neofascismo
imaginário.
Até anteontem vocês se
comportaram direitinho. O que importava, basicamente, era ter uma tripulação
confiável para tirar o Brasil do deserto deixado pela exuberância da
DisneyLula. Após uma eleição cheia de artimanhas para tentar reabilitar o poder
da quadrilha, o país escolheu o caminho onde, por vias tortas ou não, a tal
tripulação confiável chegou à cabine de comando. Posto Ipiranga.
Mas vocês não querem mais
sair do lugar. Aparentemente nesse meio tempo vocês fizeram um mestrado em
crítica comportamental, com MBA em etiqueta comparada, e seus interesses
mudaram. Vocês trocaram o Posto Ipiranga pelo salão de cabeleireiro, onde uma
desavença sobre a novela da véspera é crise grave.
De fato, é uma rotina mais
agitada e emocionante. O Posto Ipiranga é um tédio.
E assim estamos neste
estanho ano da graça de 2019. Enquanto Paulo Guedes, Rogério Marinho, Mansueto
Almeida, Marcos Cintra, Salim Mattar, Campos Neto, Tarcísio Freitas, Sergio
Moro e outros grandes trabalham duro para tirar o Brasil do atoleiro, vocês
fuxicam rebotalhos de rede social e tocam nos ouvidos da nação as suas cornetas
do fracasso. Nada presta, assim não dá, ole-lê, ola-lá. Os velhos trombeteiros do
apocalipse, de Ciro Gomes a Requião, de Jean Wyllys, a Gleisi, estão
animadíssimos com a chegada de vocês à orquestra.
A reforma está afundando
na CCJ – diziam vocês – porque o governo só existe no Twitter (vocês sabem tudo
de articulação política), porque o Rodrigo Maia mordeu a orelha do cachorro do
Bolsonaro, porque o Mourão é o golpista gente boa (vocês estão na dúvida),
porque os filhos são fanfarrões (ah, se eles tivessem MBA em etiqueta
comparada…) e acima de tudo porque vocês encontraram essa fantasia de
corregedores perfumados do estorvo bolsonarista e vão fazer cara de nojo para
tudo.
OBS: A reforma passou bem
na CCJ, iniciando ainda nos primeiros meses da nova gestão a agenda mais
esperada pelos que querem reconstruir isso aqui, mas vocês continuaram com cara
de nojo, dizendo que demorou (!), dizendo que o projeto do Paulo Guedes foi
desidratado (mentira) e não vai prestar, ole-lê, ola-lá.
Sobre essa parte de viver
surfando entre meias-verdades, vocês estão provando aos parasitas do petismo
que é possível mentir com muito mais classe do que eles fizeram por 13 anos.
Aliás, no salão da resistência democrática não se ouviu um pio sobre a fake
news da menina que se recusou a cumprimentar o presidente. Podem poupar suas
meias-verdades para explicar esse silêncio hediondo: já entendemos que na nova
cartilha de vocês não é permitido apontar eventuais picaretagens na imprensa,
porque pode ser entendido como discurso bolso-fascista. Incrível como vocês
estão mudados (os cabelos continuam os mesmos, mas o juízo… quanta diferença).
Ainda assim, a nova aposta
de vocês não é de todo burra. Não há de faltar bizarrices dos bolsonaros e seus
circundantes para alimentar as crises de fofoca que vocês hoje se dedicam a
fermentar e espalhar. Vocês são os colunistas sociais da miragem autoritária,
uma espécie de reencarnação da Revista Amiga para futricas de coturno. Não
deixa de ser um papel na sociedade.
Se apesar de vocês o avião
decolar e tirar o Brasil da seca, vocês obviamente vão querer embarcar
correndo, pedindo educadamente desculpas pelo atraso. Não tem problema, a
tripulação que está dando duro mal sabe de vocês (não dá tempo de ler a Revista
Amiga). São democratas – exatamente como vocês fingem – e não irão barrar
ninguém.
Talvez os passageiros à
bordo não sejam tão receptivos, mas não dedicarão a vocês nada pior do que uma
cara de nojo, como a que vocês hoje fazem para tudo. Nada grave, eles apenas terão
entendido quem vocês são.
Guilherme Fiuza
Jornalista e escritor
Gazeta do Povo
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