O morticínio de cristãos e
a liberdade religiosa
Neste domingo (21) de
Páscoa, enquanto milhões de famílias comemoravam uma data símbolo de esperança
em grande parte do mundo, um atentado terrorista coordenado em várias cidades
do Sri Lanka, no sudeste asiático, chocou o planeta. Até agora, são 290 mortos
e mais de 500 feridos. Embora 24 pessoas tenham sido presas, a polícia ainda
investigue as motivações e nenhum grupo terrorista tenha reivindicado a autoria
dos ataques, o viés anticristão do morticínio é claro: além de hotéis, três
igrejas cristãs lotadas pela festividade pascal foram alvo dos ataques nas
cidades de Colombo, Negombo e Batticaloa.
Por enquanto, o governo do
país, que conta com o auxílio da CIA, do FBI e da Interpol na investigação,
atribui os atentados ao grupo islamista National Thowheet Jama'ath, que tem um
histórico de atentados suicidas contra a maioria hindu do país, que representa
cerca de 70% da população, ante 9% de islâmicos e quase 8% de cristãos, sendo a
maioria destes católicos. No entanto, o horror dos atentados deste domingo, o
mais grave em dez anos, desde que a guerra civil acabou no Sri Lanka, não é um
caso isolado: infelizmente ele se insere em um contexto de crescente
intolerância religiosa em algumas partes do globo – um problema que, quando
atinge cristãos, não tem a devida atenção das elites intelectuais do Ocidente.
A Organização Portas
Abertas publica há 25 anos a Lista Mundial de Perseguição (LMP), um dos
relatórios mais importantes para quantificar a violência contra cristãos no
mundo. O ranking de piores países é construído a partir de uma escala de 0 a
100, elaborada a partir de indicadores, questionários e consulta a parceiros in
loco, em que 0-40 representam “perseguição variável”; 41-60, “perseguição
alta”; 61-80, “perseguição severa”; e 81-100, “perseguição extrema”. Entre os
motivos mais comuns de perseguição, além de intolerância secular e perseguição
de ditaduras, está a opressão islâmica. Na LMP de 2019, os 11 primeiros
colocados da lista foram classificados como países onde há perseguição extrema:
Coreia do Norte, Afeganistão, Somália, Líbia, Paquistão, Sudão, Eritreia,
Iêmen, Irã, Índia e Síria. Nesses países, vivem cerca de 75 milhões de cristãos
nas condições mais perigosas concebíveis, mas a Portas Abertas estima haver 245
milhões de cristãos que sofrem algum tipo de perseguição no planeta – uma
população maior que toda a brasileira.
Outra organização que
trabalha no campo há décadas, a “Ajuda à Igreja que Sofre”, que monitora
violações à liberdade religiosa não só de cristãos, mas de outras religiões,
apontou, em 2018, uma piora da situação de grupos religiosos minoritários em 18
dos 38 países onde há violações significativas desses direitos. O relatório
aponta um recrudescimento do antissemitismo e da islamofobia no Ocidente, em
decorrência das complicações migratórias na Europa, mas alerta que “há cada vez
mais provas de uma cortina de indiferença por trás da qual as comunidades
religiosas vulneráveis sofrem, sendo a sua luta ignorada em grande parte do
mundo” e que “aos olhos dos governos e da comunicação social ocidentais, a
liberdade religiosa está caindo nos rankings de prioridades dos direitos humanos,
sendo eclipsada pelas questões de gênero, sexualidade e etnia”.
Esse é um problema
inegável que ficou ainda patente com a vergonhosa omissão de lideranças
democratas nos Estados Unidos, incluindo Barack Obama e Hillary Clinton, em
expressar solidariedade aos cristãos mortos no Sri Lanka. A manifestação
pública desses líderes, no afã politicamente correto, fez os cristãos
tornarem-se “adoradores da Páscoa”. É inegável nas elites ocidentais
contemporâneas a indiferença, e até a hostilidade, à experiência religiosa.
Essa postura, a mesma que quer reduzir cada vez mais a margem da liberdade de
manifestação religiosa em temas como aborto e ideologia de gênero, é a fonte da
pouca atenção que a perseguição de cristãos recebe nos fóruns internacionais,
muito embora a liberdade religiosa seja uma das pedras fundamentais do sistema
de proteção de direitos humanos criado pela Organização das Nações Unidas
(ONU).
Felizmente, esse quadro
pode estar mudando. Em 2018, a Hungria patrocinou na ONU o encontro de alto
nível “Liberdade contra perseguição: minorias religiosas cristãs, pluralismo
religioso em perigo” para lançar luz sobre o problema. Os Estados Unidos, sob o
governo de Donald Trump, têm sido mais vocais na defesa da liberdade religiosa
no plano internacional. Organizações como as próprias Portas Abertas e Ajuda à
Igreja que Sofre, além da Solidariedade Cristã Mundial, estão conseguindo
acreditação junto à ONU para receber recursos e ajudar perseguidos em áreas
sensíveis. Reconhecer o problema é um primeiro passo imprescindível, mas é
preciso ir além: países que patrocinam esse tipo de perseguição ou que são
coniventes com o terrorismo precisam ser alvo de intensas pressões
diplomáticas, seja de seus pares, seja dos organismos multilaterais. Pautado
por princípios democráticos e de tolerância, nos marcos do multilateralismo, o Brasil
poderia se destacar positivamente no plano internacional ao somar esforços no
combate ao morticínio de cristãos e na defesa da liberdade religiosa.
Editorial – Gazeta do Povo
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