Sob o manto do Centrão
O cisma batismal da figura
do ex-governador paulista e do candidato presidencial Geraldo Alckmin para dar
início à campanha foi consagrado em torno de vários padrinhos.
De partidos tão
distintos como, ideologicamente, incompatíveis. Reuniram-se na pajelança de
unção a Alckmin, além do PSDB, o DEM, o PP, o PR, o PRB e o Solidariedade. A
composição atende pela marca de “Centrão” e semeia o “toma lá dá cá” como forma
de gestão.
Não é novidade. Sua hegemônica atuação projetou-se por essas bandas
desde o início da redemocratização nos idos de 90. Assumiu ares de fisiologismo
escrachado e desavergonhado a partir de 2003, com a chegada ao poder do
sindicalista, hoje presidiário por corrupção, Luiz Inácio Lula da Silva, e
descambou para a chantagem rasteira, no limite da ameaça ilegal, nos tempos da
“mãe do PAC” Dilma.
Em outras palavras, esse grupo suprapartidário está
mandando e desmandando no País há quase 30 anos. Já teve várias configurações.
Contou com o PMDB, o PDS, o PTB.
Na sopa de letrinhas das agremiações experimentou
a maioria. Adicionou algumas, descartou outras, misturou receitas ao sabor das
conveniências. Não se queira atribuir a ele qualquer coerência nos atos, modelo
de princípios ou formato fechado. O “Centrão” está disponível a qualquer sigla
que se preste a incorporar a versão desvirtuada do mandamento franciscano do “é
dando que se recebe”.
A oferenda caiu agora nas mãos do quase coroinha da
política Geraldo Alckmin. Era a opção natural e inevitável para aglutinar
tantas forças. Após exaustivas negociações o tucano saiu-se melhor numa disputa
que envolveu também os demais adversários.
Bolsonaro, Ciro e até o PT de Lula
(ou de um preposto) cobiçavam o Centrão. Fizeram a corte, chamaram para
encontros, negociaram o que puderam e não levaram. Ciro morreu pela boca.
Assustou o grupo com os habituais disparates verbais. O candidato da caserna
idem, com a ameaça de colocar uma botina militar sobre o Congresso e,
encerrando a lista, ninguém se aliaria à esquadra petista que ainda nem sabe o
rumo a tomar.
Sobrou para a alternativa do establishment, o homem do mercado,
aquele que, no entender de muitos, reúne as melhores chances de levar adiante
as necessárias reformas do sistema. Foi uma injeção de ânimo numa candidatura
que patinava nas pesquisas com a tática do jogar parado. Não há certeza de que
tamanha composição política seja suficiente para elevar o tucano ao status de
imbatível. Mas não deixa de ser um belo empurrão.
Daqui para frente Alckmin
precisa mostrar serviço e se preparar para segurar com habilidade os interesses
dessa geleia geral da política. A barganha pode colocar tudo a perder.
Eleitores estão cansados, enojados mesmo, de tantos acertos espúrios. Querem
uma reviravolta geral no modo de governar.
O chamado presidencialismo de
coalizão há tempos se converteu em cooptação, pura e simples. Alimentou os
mensalões e petrolões da vida. Entregou o que de pior se pôde ver no exercício
do poder. Se pairar no ar qualquer cheiro de repetição das velhas e condenáveis
fórmulas do balcão de negócios, a debandada dos eleitores será acelerada.
No
plano ideal, a costura das alianças deveria ocorrer em bases programáticas, uma
epifania que talvez qualquer dia o Brasil tenha a graça de alcançar. Não há
propostas consistentes e combinadas previamente entre as legendas do Centrão na
adesão ao seu escolhido para governar. Prestaram o apoio, se vincularam a ele,
de olho em futuros cargos administrativos, ministérios e feudos estatais. Na
troca entregam tempo de TV, estrutura de campanha e exposição regional.
Na atual
temporada de contribuição à míngua é o que resta a boa parte dos candidatos
para se destacar – e eles correm atrás dessa ração como animais famintos. Os
esquemas oportunistas, os entendimentos de ocasião, as bases de sustentação que
descambam para a trapaça são deformações históricas de um modelo que precisa
ter fim.
O tucano Alckmin não conseguirá se apresentar como renovador dos
costumes políticos, mas pode almejar – se assim for seu firme desejo – a imagem
de alguém com responsabilidade que, na hora certa, irá impor limites
republicanos a esses acertos.
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