Na quarta-feira, o
Congresso Nacional continuou seu esforço para fazer do Brasil um campo minado
fiscal. Depois de aprovar o reajuste dos ministros do Supremo – e agora aumenta
a pressão para que os mesmos 16% sejam estendidos também aos próprios
parlamentares –, o Legislativo federal deixou um presente aos prefeitos. A Lei
de Responsabilidade Fiscal, um dos instrumentos mais importantes para o
controle das contas públicas, foi afrouxada com a aprovação, na Câmara, de um
projeto de lei que está na mesa do presidente Michel Temer para a sanção.
Um dos dispositivos da LRF
prevê punições para o governo federal, governos estaduais e prefeituras quando
suas despesas com pessoal ultrapassam determinado porcentual de sua receita
corrente líquida – no caso da União, 50%; para estados e municípios, 60%. As
administrações que desrespeitarem o limite ficam impedidas de contratar crédito
ou receber transferências voluntárias, e os gestores podem perder o cargo ou ficar
inabilitados para exercer qualquer emprego público.
As proibições fazem
sentido por diversos motivos. Uma prefeitura ou governo estadual que compromete
seu orçamento quase que exclusivamente com pessoal não tem como realizar
investimentos, nem cuidar satisfatoriamente de áreas básicas como saúde e
educação. E o estabelecimento de uma porcentagem máxima também impede o gestor
de criar cargos públicos indiscriminadamente e usá-los como moeda de troca por
apoio político ou recompensa a aliados. Essas práticas, tão comuns na política
nacional, fizeram necessária a elaboração de uma lei para que os gestores
tivessem de cumprir pela força a responsabilidade fiscal que não adotavam por
convicção.
O que o Congresso fez,
nesta semana, foi retirar as punições aos municípios cujos gastos com pessoal
superarem os 60% de sua receita corrente líquida. O projeto faz uma ressalva: a
anistia só será aplicada a municípios que tiverem queda de mais de 10% em sua
arrecadação devido a diminuições nos repasses do Fundo de Participação dos
Municípios ou em royalties e outras participações especiais. Essa limitação foi
usada pelos defensores do projeto para argumentar que não estavam autorizando
os municípios a promover uma farra fiscal indiscriminada, mas isso é contar
apenas a metade da história.
O projeto tem um único
mérito involuntário, o de escancarar a grande dependência que muitos municípios
têm desses repasses, sem os quais sua viabilidade econômica estaria quase
comprometida. Mostra as grandes falhas do atual modelo federativo e tributário,
que deixa uma fração mínima da arrecadação total para os municípios enquanto os
sobrecarrega com responsabilidades, forçando prefeitos a mendigar verbas diante
de governadores, deputados, senadores e presidente da República, não raro
oferecendo em troca apoio político, a única moeda que têm à disposição.
Mas o texto aprovado
oferece a resposta errada às eventuais dificuldades que prefeitos podem
enfrentar quando não contam com o dinheiro esperado, pois dispensa o gestor de
qualquer esforço para adaptar seus gastos à nova realidade. O estouro de
despesas com pessoal pode muito bem se tornar o “novo normal” caso as receitas
de royalties e do FPM não retornem mais aos níveis anteriores, com todas as
consequências negativas que isso terá para as demais rubricas do orçamento
municipal. E deputados contrários ao projeto apontaram, ainda, o risco de o
projeto ser apenas a primeira brecha para se permitir, mais adiante, novas
flexibilizações, incorporando outros tipos de dificuldades orçamentárias no rol
daquelas que livrarão o gestor e o município das punições da LRF.
Não há ente da Federação,
hoje, que não se encontre em apuro fiscal. Não por culpa da LRF, mas por culpa
de uma série de escolhas erradas, feitas aqui mesmo – a crise internacional,
que governos anteriores adoravam culpar pelo caos brasileiro, teve influência
muito menor que as decisões tomadas internamente. Propor o abandono do
equilíbrio nos gastos com pessoal, ainda que em alguns casos, é deixar aberto o
caminho para que muitos municípios repitam o caos vivido por estados falidos
onde os serviços públicos entraram em colapso.
Gazeta do Povo
Nenhum comentário:
Postar um comentário