Um dos avanços da reforma
trabalhista aprovada em 2017 e que entrou em vigor no fim daquele mesmo ano foi
o fim do imposto sindical, o recolhimento obrigatório do valor referente a um
dia de trabalho de todo assalariado, fosse ele sindicalizado ou não. Esse
dinheiro – em 2016, foram R$ 3,5 bilhões – era destinado aos sindicatos ou
federações, mas, com a reforma, passou a vigorar a lógica segundo a qual as
entidades devem ser sustentadas apenas por seus filiados.
No período de seis meses
entre a aprovação das mudanças na CLT e sua entrada em vigor, as entidades
sindicais pressionaram o governo para que o imposto sindical retornasse por
algum outro dispositivo legal. Felizmente, Michel Temer não cedeu, mas o
fracasso na via institucional levou sindicatos e centrais sindicais a promover
e apoiar expedientes para tentar burlar a nova redação da lei. Ainda no fim de
2017, antes de a reforma passar a vigorar, alguns sindicatos haviam realizado
assembleias nas quais os participantes decidiram ressuscitar a cobrança
compulsória para todos os trabalhadores representados pelas respectivas
entidades.
Essa cobrança à revelia da
vontade do trabalhador é condenada pela nova CLT. O artigo 579 diz que “O
desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e
expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou
profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo
da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, na conformidade do
disposto no art. 591 desta Consolidação”. E o artigo 611-B estabelece que
“Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de
trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:
(...) XXVI – (...) o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência,
qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou
acordo coletivo de trabalho”.
Como, então, os sindicatos
defendem as decisões? Alegando o princípio da “prevalência do negociado sobre o
legislado”, um dos pilares da reforma. O “legislado” proíbe a cobrança? Sem
problemas: arruma-se um “negociado” que a admita, e o trabalhador será
automaticamente cobrado, a não ser que manifeste explicitamente sua
discordância, cumprindo uma burocracia que nem todos conhecem.
No entanto, o princípio da
prevalência do negociado sobre o legislado se aplica às relações entre empresa
e empregado ou sindicato, jamais entre o sindicato e os trabalhadores da
categoria. Usá-lo para forçar a cobrança nos moldes pré-reforma trabalhista é
uma interpretação torta do texto legal e que não encontra nenhum respaldo nem
na própria lei, nem na jurisprudência. Mesmo que se alegue que a “autorização
prévia e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica
ou profissional” citada no artigo 579 possa ocorrer por meio de assembleia que
aprove a inclusão da cobrança compulsória em uma convenção coletiva, o artigo
611-B é claríssimo quando torna tais cláusulas ilegais ao dizer que ninguém
sofrerá desconto ou cobrança “sem sua expressa e prévia anuência”, que é
individual, e não coletiva.
Está evidente que o
legislador desejou que a cobrança ocorresse no sistema opt in: o padrão é
não haver desconto, e quem quiser contribuir com o sindicato deve manifestar
sua vontade de fazê-lo, por meio da filiação e outros meios. O que os
sindicatos pretendem é inverter essa lógica para o chamado opt out: todos
pagam, e quem não quiser fazê-lo é que precisa se manifestar, o que nem sempre
ocorre pelos mais diversos motivos, inclusive o desconhecimento do direito de
não ser cobrado.
Que os sindicatos queiram
recorrer a esse tipo de truque para não perder receita já é lamentável por si
só, mas que o Ministério Público do Trabalho se disponha a endossá-la é
catastrófico. No fim de novembro, a Câmara de Coordenação e Revisão do MPT
resolveu unificar seu entendimento a respeito do tema, dando seu respaldo ao
expediente que salva o caixa dos sindicatos, desde que fique claro na convenção
o direito à oposição. Em outras palavras, o órgão que tem por função fiscalizar
para que a lei seja cumprida nas relações de trabalho decidiu fechar os olhos a
uma violação da lei.
A posição do MPT não chega
a ser surpreendente, já que é amplamente conhecida a posição ideológica de
procuradores e até mesmo juízes do Trabalho, que por serem contrários à reforma
trabalhista se acham no direito de guiar sua atuação não pelo que a lei diz,
mas pelo que eles consideram certo. Mas não deixa de ser uma trágica ironia
que, entre o trabalhador prejudicado por uma cobrança da qual ele discorda e a
entidade sindical que pretende realizar o desconto obrigatório, o MPT tome o
lado desta, contra aquele que sempre foi considerado hipossuficiente, e contra
a própria lei.
Gazeta do Povo
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