Rachada a conta, estimada
em até R$ 6 bilhões anuais, os desempregados pagarão a parte mais dolorosa do
aumento concedido a juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), membros da
Procuradoria-Geral da República e todos os demais servidores beneficiados pelo
novo teto de vencimentos do funcionalismo. O salário mensal de cada juiz do STF
passará de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil, graças ao reajuste de 16,38% aprovado
pelo Congresso. O gasto adicional de R$ 6 bilhões para o setor público foi
estimado pela consultoria do Senado. Podem-se discutir detalhes do cálculo, mas
o custo social é inegável. Despesa maior significa maior dificuldade para
consertar o enorme rombo das contas públicas, em todos os níveis de governo, e,
como consequência, maior dificuldade para impulsionar o crescimento econômico e
a criação de empregos.
Num país com 12,5 milhões
de desempregados, o equivalente a 11,9% da força de trabalho, todo político
decente deveria ter como prioridade animar os negócios para estimular
contratações.
Com mais alguns números o
quadro fica mais assustador. Se à parcela desempregada forem somados os
trabalhadores com horas insuficientes de ocupação e os indivíduos contados na força
de trabalho potencial, a taxa de subutilização chegará a 24,2%, ou 27,3 milhões
de pessoas. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou
esses dados no fim de outubro.
O pessoal do Judiciário,
argumentaram defensores do aumento, havia passado quatro anos sem reajuste
salarial. É verdade, mas trabalhadores do setor privado ou tiveram aumentos
modestos ou nenhum aumento, e muitos foram simplesmente postos na rua. Os
desempregados, que totalizavam 12,5 milhões de pessoas segundo a última
pesquisa, nem podem pensar em reajuste, porque nem sequer recebem salários -
alguns há dois anos ou até há mais tempo.
Diante disso, os R$ 33,7
mil dos juízes do STF parecem uma remuneração tolerável. Os demais servidores
públicos, mesmo os de salários mais modestos, têm pelo menos a garantia do
direito ao salário regular e à segurança de permanecer no emprego.
O presidente do Senado,
Eunício Oliveira (MDB-CE), poderia ter encerrado seu mandato sem pôr em votação
o projeto de aumento, já aprovado na Câmara. A proposta, parada na Comissão de
Assuntos Econômicos, foi desengavetada pelo presidente da Casa. Na quarta-feira
à noite, com pouca gente no plenário, ele conseguiu incluir o assunto na pauta
de votação da sessão seguinte. O aumento acabou aprovado por 41 votos contra
16.
Também segundo defensores
do projeto, o gasto adicional será compensado pela redução de outras despesas,
com a eliminação do auxílio-moradia e de outros penduricalhos. O presidente do
Senado citou esse argumento. Mas isso é apenas uma possibilidade e, além disso,
a troca é moralmente discutível - tão discutível quanto o custeio de moradia
concedido aos juízes.
Aos vários argumentos
contra a elevação dos salários o relator do projeto, senador Ricardo Ferraço
(PSDB-ES), acrescentou detalhes de peso. Por estar fora da Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) e da proposta do Orçamento-Geral da União, os parlamentares
nem poderiam votar o aumento. Além disso, recordou, é proibido elevar salários
nos últimos 180 dias de governo.
Sem ter sido reeleito, o
senador Eunício Oliveira deverá enfrentar como cidadão comum as investigações
baseadas em delações de dirigentes e ex-dirigentes da Odebrecht.
Mas o gesto de simpatia de
Eunício Oliveira e seus pares aos magistrados foi apenas um dos novos golpes
contra o Tesouro. Um dia depois do aumento aos juízes, o Senado aprovou a
medida provisória de criação do Rota 2030, novo programa de mimos tributários
ao setor automobilístico. Tão discutível quanto o programa anterior, o Inova
Auto, o novo conjunto de benefícios será mais um presente a um setor muito
protegido e com exportações comodamente concentradas na vizinhança.
Sensatamente, a equipe do Ministério da Fazenda se opôs ao programa. Foi tão
derrotada, nesse caso, quanto a maioria dos contribuintes e os milhões de
desempregados. O presidente da República pode consertar a lambança, vetando os
dois projetos.
Portal Estadão
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