quarta-feira, 3 de outubro de 2018

➤Depois do #EleNão

Por que mais mulheres declararam voto em Bolsonaro?


As pesquisas de intenção de voto divulgadas entre segunda-feira (1º) e terça-feira (2), após as manifestações do fim de semana contra e a favor do candidato Jair Bolsonaro, mostraram um aumento nas intenções de voto no presidenciável do PSL. Principalmente entre as mulheres.

No Ibope divulgado na segunda, Bolsonaro ganhou seis pontos percentuais entre as eleitoras (de 18% para 24%). Já no Datafolha desta terça, foram mais seis pontos (de 21% para 27%) entre o público feminino. O crescimento surpreende: as passeatas pelo Brasil sob o mote “#EleNão” teriam sido um tiro pela culatra? 

Em certa medida, analistas políticos argumentam que sim. Os movimentos, apesar de contarem com grande número de pessoas, não ajudaram a alterar o voto bolsonarista. Também pesou contra essas manifestações a percepção de que estariam ligadas à esquerda e aos candidatos de polo oposto ao de Bolsonaro, o que pode até ajudar na decisão de grupos anti-esquerda e anti-PT a fecharem com o candidato do PSL nesta reta final do primeiro turno eleitoral. 

“São pessoas que estão descontentes com o politicamente correto. Não são pessoas que gostam ou desgostam do Bolsonaro por causa de sua posição sobre a mulher. Para esse grupo, a política sobre a mulher não é o mais importante. O que importa é o combate à corrupção, violência. A cada vez que ele explica sua posição sobre mulheres e minorias, ele até ganha mais voto”, avalia Márcio Coimbra, estrategista político no Senado Federal. 

O movimento “#EleNão” fala apenas com quem já está contra Bolsonaro e não atinge outros segmentos sociais, inclusive parte das mulheres. Levantamento realizado pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (USP), durante a manifestação contra Bolsonaro realizada na capital paulista, no sábado (29), mostra um perfil muito bem definido dos manifestantes do “#EleNão”. A maioria é de esquerda, branca e de alta renda. 

Dos 470 manifestantes entrevistados na passeata “#EleNão” em São Paulo, 80% se identificaram como de esquerda e 8% como de centro/esquerda. Apenas 1% afirmou ser de direita. 75% afirmaram não serem anti-petistas. 

Quanto aos partidos políticos com mais apoio entre os manifestantes, 30% disseram considerar o PT seu partido de preferência e 34% se declararam simpatizantes do PSOL. Também foram apontados como preferidos pelos manifestantes os partidos PDT (3%), Rede (2%), PCdoB (1%) e Novo (1%). Sobre a renda, 57% responderam ter renda familiar de cinco a dez salários mínimos; e 26% disseram ganhar mais de dez salários mínimos.

Esse perfil dos manifestantes pode ter efeito contrário ao desejado. Ao ser um movimento percebido por alguns eleitores como “de esquerda”, a passeata do “#EleNão” ainda pode ajudar alguns indecisos que se consideram anti-petismo e anti-esquerda a migrarem o voto para Bolsonaro. 

“Quanto mais tiver “#EleNão”e quanto mais o Haddad subir, mais o Bolsonaro pode ganhar no primeiro turno. Se o pessoal do “#EleNão ficasse quietinho, não mostrariam uma força tão grande para o Haddad. E o “EleNão” acaba sendo um voto Haddad”, avalia Coimbra. “O movimento mostra que o Haddad tem força, faz com que o voto de centro se desloque para o Bolsonaro”, afirmou o estrategista Márcio Coimbra. 
  
Para Eladio Oduber, sociólogo e professor do IESB, a adesão das mulheres a essas passeatas é justificada por ainda predominarem comportamentos machistas na sociedade. “A mulher pertence a um grupo social que vive em estresse. E, de vez em quando, elas veem que têm uma possibilidade de protestar, de dizer ‘chega’”. 

Oduber avalia, porém, que as manifestações tanto a favor como contra Bolsonaro têm pouca capacidade de alterar o resultado das urnas. “Eu acho que em um nível intangível que as coisas estão, essas manifestações não impactam. Impactam talvez em grupos que estejam em cima do muro, entre pessoas que buscam uma identidade, de tentar querer pertencer. Quando as pessoas se veem acompanhadas nas suas visões, elas ficam com coragem de se manifestar. Essas manifestações que o grupo do Bolsonaro fala publicamente sempre existiram no Brasil. Mas eram atenuadas. As pessoas sempre tiveram muita vergonha de expressar o machismo, a homofobia. Mas, na vida privada, esses comportamentos sempre existiram”, afirmou o professor.

Coimbra também vê resultado similar ao apontado pelo professor, com as manifestações. “As manifestações simplesmente estão falando para o próprio público. É um tiro n’água. Você não ganha eleitor, não perde, mas reforça mensagem”, disse.

Sobre o discurso, o professor de Sociologia avalia que as decisões políticas dos eleitores no Brasil acabaram restritas ao campo afetivo, com questões como o medo direcionando as decisões. “A radicalização do debate no Brasil passa pela parte afetiva. Se tem muito medo. Estamos vivendo numa sociedade de desconfiança. A Lava Jato colocou essa radiografia, confirmou as desconfianças que a gente tinha, dos políticos, tudo ficou muito claro”, disse Oduber. 

Pesquisas corrigindo a rota 
Apesar do resultado do Ibope, que apontou aumento da intenção de voto em Bolsonaro entre as mulheres após as passeatas, Márcio Coimbra argumenta que esse fato pode estar dissociado das manifestações. Seria uma correção de rota nas pesquisas, na reta final do primeiro turno. 

“Acho que não tem nada a ver com as manifestações do final de semana. Se olharmos as pesquisas de mercado, já tínhamos a situação que o Ibope está apontando agora. O que o Ibope está fazendo é o ajuste dos seus números, para cima, para chegar mais perto da realidade. Bolsonaro não cresceu este final de semana. A rejeição a Fernando Haddad e Bolsonaro é a mesma já há algum tempo. Eles já tinham essa mesma rejeição há algumas semanas”, afirma Coimbra. 

O crescimento de intenções de voto em Bolsonaro também ajuda a fomentar as teorias de que os institutos de pesquisa não seguem metodologias acuradas. Um aliado de Bolsonaro afirmou à Gazeta do Povo, sob condição de anonimato, que o resultado da pesquisa Ibope mostrou que os institutos estão “ajustando em direção à realidade” o resultado de suas pesquisas, para evitar erro maior quando se comparar com o resultado das urnas. 

Gazeta do Povo (PR)

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