A consagrada expressão
“voz rouca” das ruas deve vir do fato de que uma voz rouca mal se distingue, às
vezes nem se entende, sugere algum problema afetando as cordas vocais e o som
se parece a alguma coisa gutural, vinda de um fundo indefinido.
Pois mesmo assim a rouca
voz das ruas no Brasil está dando um recado inconfundível na reta final para o
primeiro turno das eleições.
Ela já diminuiu pela metade o tamanho do grande ponto de interrogação que
perdurava até poucos dias atrás, e parece ter colocado Jair Bolsonaro
confortavelmente no segundo turno.
Bolsonaro atende
exatamente a essa “demanda” rouca das ruas e espalhada (a julgar pelo mais recente Ibope) por segmentos dos mais
diversos em termos de idade, condição socioeconômica, gênero, raça e
escolaridade – ao mesmo tempo em que esse candidato enfrenta renhida rejeição
nos mesmos segmentos mencionados. Haja rouquidão!
Na metade que sobrou do
grande ponto de interrogação – quem vai para o segundo turno contra Bolsonaro –
desponta como um candidato bastante competitivo no empate quádruplo o nome
de Ciro Gomes.
Não importa o que Bolsonaro ou Ciro tentem transmitir sobre qualquer assunto,
ambos se destacam fortemente pela contundência.
É aquilo que os analistas
de pesquisas chamam de “autenticidade”, um fator que boa parte do eleitorado
parece prezar hoje acima do que candidatos estão dizendo. Não deveria causar
espanto quando se considera que segurança pública e corrupção são componentes
essenciais hoje ao se tentar entender preferências eleitorais.
Em outras palavras, não há
um “tema”, um “assunto”, um “eixo” em torno do qual se possa e definir o debate
nesta fase derradeira do primeiro turno. O que existe é um enorme conteúdo
emotivo – no qual o atentado contra Bolsonaro o beneficiou numa fase crítica
para a candidatura dele, mudando a eleição – difuso e incapaz de diferenciar
entre “propostas concretas”.
Note-se que até agora
nenhuma candidatura conseguiu impor um mote à disputa, apesar de algumas
tentativas como Marina versus
Bolsonaro na questão envolvendo mulheres, por exemplo. O principal “evento” da
campanha, capaz de alterar boa parte do ritmo, foi um atentado que,
evidentemente, escapava ao controle de qualquer dos participantes.
Essa mesma rouquidão não
parece favorecer Marina, cuja imagem sugere uma certa fragilidade, e muito
menos Geraldo Alckmin, cuja candidatura não consegue se
desvencilhar, nesta fase da corrida, do carimbo de ser mais do mesmo, além dos
recentes golpes desferidos pela Lava Jato contra figuras do PSDB.
Resta considerar o que
ainda consegue a voz mais rouca de todas, a de Lula, que fez uma arriscadíssima
jogada contra o tempo ao insistir numa candidatura que se sabia impossível,
apostando que conseguiria em último momento transferir quantidade suficiente de
votos para colocar o poste Fernando
Haddad no segundo turno. Há grande divergência entre analistas,
todos apoiados em diversas pesquisas, sobre essa capacidade. Neste momento, dou
mais chances a Ciro de disputar contra Bolsonaro.
Mesmo que essa hipótese
não se confirme (não tenho bola de cristal e a eleição continua indefinida), é
curioso notar como as várias candidaturas se articulam para tentar gerar uma
“onda” de voto útil já bem antes das famosas 36 horas finais (quando essas
“ondas” são decisivas). Elas já se apresentam como único remédio capaz de
bloquear o “perigo” representado por adversários e, claramente, apelam ao medo
do pior.
Admitindo que melhor, não
são.
Portal Estadão
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