O conspiracionismo é a
filosofia de boteco da classe-média ordeira, medianamente intelectualizada e
pouco criteriosa em matéria científica. Esse espírito nem-muito-nem-tão-pouco
faz com que o conspiracionista se atenha apenas aos fatos ou às fontes que
corroborem sua narrativa. Ele já saiu do lugar, não é mais ignorante; ele parou
no meio do caminho, não é sábio o suficiente.
O raciocínio é sempre
límpido, seco e vai em linha reta: “isso tem a ver com aquilo que explica
aquilo outro que foi comprovado por alguém que foi banido da universidade, da
imprensa, das grandes corporações”; “eu conheço um rapaz que tem um primo que
tem um sobrinho que trabalhou na NASA”.
Os americanos, ótimos em
fazer dinheiro com tudo, perceberam que há demanda e criaram a oferta: dezenas,
centenas de filmes, séries e programas de tevê que comprovam qualquer coisa que
se queira ver comprovada. Tudo depende do Zeitgeist, conforme o medo do
freguês. Basta encomendar.
Quais eram nossos medos na
década de 70? Quais eram nossos medos na década de 80? Quais são nossos medos
hoje? Procurem na literatura, nas reportagens e nos documentários de época que,
muito provavelmente, vocês encontrarão os temores urbanos retratados com imaginação
artística e esperteza comercial.
Um bom roteirista manipula
esses sentimentos com facilidade. É como o adulto que, escondido atrás da
porta, grita “Buh!” para criancinha. Mesmo depois de crescidos, conservamos
nalgum lugar da psique o gatilho que dispara esse “Buh!” Nenhum adulto é adulto
o bastante para se livrar disso. Freud explica. Psicólogos de subúrbio,
vendedores de seguros, pseudofilósofos e cartomantes experientes também
explicam.
Este nosso tempo, mais do
que qualquer outro, é terreno fértil para o conspiracionismo. Um dos princípios
clássicos da suspeita é a certeza de que tudo de alguma maneira está ligado a
tudo e tudo tem outra explicação que não é revelada aos mortais que somos.
Some-se a isso a informática, as transferências bancárias, a criptografia e a
internet, o resultado não poderia ser diferente:
Buh!
Esse mecanismo funciona em
qualquer direção, e assusta criancinhas de direita e de esquerda, religiosas e
ateias: as eleições estão perdidas ou vencidas, porque há fraude nas urnas
(quando o adversário vence); o Holocausto não aconteceu; judeus dominam o
mundo; judeus são vítimas de todo mundo; a Igreja Católica guarda segredos
terríveis; a maçonaria não consegue mais guardar segredos terríveis; tudo é
comunismo; tudo é fascismo; existem extraterrestres na Área 51; existem
americanos na Área 51; os deuses eram astronautas; os astronautas não foram
para a Lua; a Lula nem mesmo existe; soja provoca homossexualismo;
homossexualismo provoca Pablo Vittar; vacinas fazem mal; antidepressivos não
funcionam; fosfoetanolamina cura câncer; as indústrias farmacêuticas já têm a
cura do câncer, mas não a divulgam; os americanos foram responsáveis pelo 11 de
setembro; o governo Obama foi manipulado pelos muçulmanos; o governo Trump é
manipulado pelos russos.
Tem para todo mundo.
O que há de comum é que os
crentes de teorias da conspiração são implacáveis em sua, aspas, lógica.
Alimentam-se de dados quase sempre alternativos, leem subliteratura que
envergonharia os melhores autores de pulp fiction doutras décadas, não confiam
em rigorosamente nada que venha do mainstream, confiam em rigorosamente tudo
que venha de fontes marginais, recortam os fatos de seu contexto original e os
colam num contexto derivado, desconsideram informações ou estudos discordantes
e, principalmente, reorganizam a história conforme as expectativas previamente
determinadas, num apelo bobo à petição de princípio: dão por pressuposto
justamente aquilo que seria preciso provar. Feito isso, basta pegar uns
pedacinhos de verdade (por ex: todo sistema eletrônico é, por definição,
violável) para encaixar numa grande e escandalosa mentira (por ex: se todo
sistema eletrônico é, por definição, violável, então é evidente que todos são
violados). O que é impossível de comprovar, comprovado está.
Como dizia o perspicaz
Chesterton, “louco não é quem perdeu a razão; mas quem perdeu tudo, menos a
razão”.
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