Fernando Haddad, o
ex-vice-candidato do ex-candidato-preso, agora se tornou candidato de vez. Pelo
menos é o que consta nos registros oficiais da Justiça Eleitoral e no material
da campanha. Entretanto, todos sabem que Haddad é e continuará a ser apenas
vice-qualquer-coisa, útero da ética apodrecida de seu mentor e das ruínas de um
projeto.
Isso não é opinião nem
crítica. Escrevo com a frieza de Belchior Nunes Carrasco e a inocência da
criancinha prestes a pegar no sono. É plano de governo, o único plano de
governo prometido pelo PT: Lula. Economia, soluções para a saúde, metas para a
inflação, projeções cambiais, modelos de educação, reforma previdenciária?
Lula.
A campanha orgulhosamente
anuncia: “Fernando Haddad é Lula, Lula é Fernando Haddad”. Já não se trata de
transferência de votos, mas de transfusão de caráter ou coisa pior. Como se
Lula fosse o vírus de uma febre tropical e Haddad o mosquito transmissor.
Doença bem chinfrim e latino-americana. Pelo menos não há como acusá-los de
estelionato eleitoral, pois quem vota em Haddad sabe que não vota em Haddad.
O tarado por ciclovias
poderia ter feito carreira pedalando para bem longe do PT, como Marina Silva,
mas preferiu a sujeição. Era pequeno, pequenininho, ficou ainda menor. Enquanto
isso, Manuela d’Ávila se desmaterializou perto de ambos. Altiva, mostrou que
sabe obedecer cheia de dignidade. Ela é livre para dizer: “Sim, senhor!”
Transformou-se na Amélia da casa-grande lulopetista. Manuela não tem a menor
vaidade, Manuela é que é mulher de verdade.
Ciro Gomes, por sua vez,
cortejou o Partido dos Trabalhadores para novamente ser rejeitado. Seu pecado é
ter personalidade demais. O chefe não suportaria a concorrência, não aceitaria
que lhe ameaçassem o protagonismo. Lula é ciumento. “Não terás outros deuses
além de mim”. Ele precisava de massa dúctil o suficiente para modelar conforme
as circunstâncias. Encontrou-a.
Da cadeia, onde
aparentemente se sente em casa, Luiz Inácio assumiu de vez o papel de íncubo,
demônio que invade os sonhos da esquerda e tem com ela relações das mais
promíscuas. Dessa cópula espúria nasce a candidatura à presidência do
ex-prefeito de São Paulo, sucursal Vila Madalena.
Demétrio Magnoli, escritor
que respeito, tem muito mais fé do que eu em unicórnios. Disse que “a saída
existe, mas depende da integridade política e da independência intelectual de
Haddad. O candidato inventado no laboratório lulista tem a oportunidade de
corrigir a narrativa ainda durante a campanha eleitoral, falando em público
aquilo que fala entre quatro paredes. (…) Paralelamente, reconciliaria o PT com
o futuro, inaugurando o pós-lulismo. Haddad pode ousar, refundando a esquerda
brasileira, ou optar inercialmente pelo destino de Dilma”.
O problema é que “o
candidato inventado no laboratório lulista” está reduzido a isso: boneco de seu
Gepeto, criatura de seu Victor Frankenstein. Atraído pela força gravitacional
da matéria escura de Lula da Silva, o paulistano parece não ter outra chance de
sobreviver senão perto demais de quem deveria se afastar.
A independência política –
e, sobretudo, moral – de Fernando Haddad é uma oportunidade para sempre
perdida. Existem limites que, quando ultrapassados, quebram o indivíduo de
alguma maneira. O que mais precisaria acontecer para que Haddad se dispusesse a
repensar o petismo? Tudo o que tinha de ser feito, foi feito. Está consumado.
Pois depois de tantos e
tamanhos escândalos, da corrupção de magnitude inédita na história não somente
desta, mas de outras repúblicas e monarquias, quem ficou, ficará. Não consigo
imaginar que a esta altura seja possível um verdadeiro mea culpa, uma sincera e
plena contrição. Mais do que isso: quem ficou tem mesmo de ficar.
Que os ratos não abandonem
o navio. O navio merece os ratos, os ratos merecem o navio.
Gazeta do Povo
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