Eliane Cantanhêde
A cúpula feminina do
Judiciário e do Ministério Público ganhou espaço e respeito ao pôr as coisas
nos seus devidos lugares depois do domingo passado, quando novos “aloprados”
petistas se aliaram ao desembargador Rogério Favreto para passar por cima do
TRF-4, do STJ e do próprio STF na tentativa de libertar o ex-presidente Lula a
qualquer custo.
Laurita Vaz, uma goiana de
Anicuns, pouco conhecida, pouco polêmica, reproduziu de forma contundente o que
boa parte do Judiciário pensa, mas não pode dizer. E ela não foi contundente
numa nota ou entrevista, mas numa decisão oficial, em que negou habeas corpus
para soltar Lula, desferiu duras críticas a Rogério Favreto e defendeu a
atuação do juiz Sérgio Moro, acusado de “perseguir” o ex-presidente por não
cumprir o ato estapafúrdio do desembargador.
Laurita classificou
Favreto de “manifestamente incompetente” para conceder HC para Lula num mero
plantão, disse que é “óbvio e ululante” que os argumentos dele não fazem
sentido e concluiu que sua ação “causa perplexidade e intolerável insegurança
jurídica”. Para a ministra, Moro reagiu “com oportuna precaução” ao consultar o
presidente do TRF-4 para saber o que deveria cumprir, a decisão do tribunal
(que mandou prender Lula) ou o HC monocrático de um desembargador (para
soltá-lo).
Se Favreto chocou o País
com sua audácia, Laurita Vaz surpreendeu o mundo jurídico, o mundo político e a
mídia com sua decisão duríssima. Não bastasse, completou o serviço no dia
seguinte, quarta-feira, ao derrubar de uma canetada só 143 pedidos de habeas
corpus para Lula que tinham o mesmo formato, o mesmo jeitão, os mesmos
argumentos, só mudando o autor. O Judiciário, reclamou, “não pode ser utilizado
como balcão de reivindicações e manifestações políticas ou ideológico-partidárias”.
O tom foi de advertência, de “bronca”.
Nos estertores de sua
passagem pela presidência do STJ, que assumiu em setembro de 2016, Laurita Vaz
vem se juntar a um time de mulheres que têm posições, se expõem e dão exemplos
de coragem no Judiciário, como Cármen Lúcia, presidente do STF, e Rosa Weber,
que já deu um voto na Corte que tem tudo a ver com o imbróglio detonado agora
por Rogério Favreto.
Depois de se recusar a pôr
em pauta pela quarta vez uma mesma questão, a prisão após segunda instância, Cármen
Lúcia agora soltou nota, já no domingo, lembrando a impessoalidade e o respeito
à hierarquia no Poder Judiciário. E, numa votação de HC para Lula, Rosa Weber
jogou luzes num princípio precioso que Favreto jogou no lixo. Ela votou contra
o HC, apesar de contrária à tese da prisão em segunda instância, ensinando que,
num colegiado, derrotados seguem a decisão da maioria. “Vozes individuais devem
ceder em favor de uma voz institucional”, lembrou. Senão, vira bagunça.
Ainda na quarta-feira, a
procuradora-geral da República, Raquel Dodge, encaminhou a Laurita Vaz o pedido
de instauração de inquérito judicial contra Rogério Favreto. Num tom tão duro e
contundente quanto o usado pela própria Laurita, Raquel acusa Favreto de agir
“sem imparcialidade”, “dolosamente” e “motivado por sentimentos pessoais
contrários à lei”. De quebra, pediu ao CNJ a aposentadoria compulsória do
desembargador.
Contrariando o estereótipo
de mulheres delicadas, medrosas e frágeis, Laurita, Cármen e Raquel foram
fortes na defesa das instituições que comandam, ou, como diz Raquel, contra “a
exposição do Poder Judiciário brasileiro (...) a sentimentos que variaram de
insegurança à perplexidade, da instabilidade ao descrédito”. Isso não poderia
passar em branco. E não passou. A reação é à altura da ação tresloucada.
Portal Estadão, em
13/07/2018
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