Eliane Cantanhêde
Na missa para Marisa Letícia, que virou comício para
Lula, o ex-presidente usou de toda a emoção e de todo vigor retórico para
clamar que seu grande crime foi dar comida, escola e universidade para pobre.
Porém, assim como o impeachment de Dilma Rousseff foi pelas pedaladas, mas não
só por elas, a prisão de Lula foi pelo triplex no Guarujá, mas não só por ele.
Tanto as pedaladas como o triplex estão inseridos num contexto muito mais
amplo, são peças de um todo.
O que as investigações desvendaram, e as fotos no triplex
confirmam, é a íntima relação de Lula não apenas com uma empreiteira, a OAS de
Léo Pinheiro, mas com as grandes empreiteiras, conhecidas compradoras de
políticos. No topo, a Odebrecht.
Os depoimentos de Emílio e Marcelo Odebrecht sobre as
contas secretas mantidas para o ex-presidente e geridas por Antonio Palocci,
antes e depois da Fazenda, são uma aula de como Lula foi afundando nos braços
pródigos, mas gulosos, das empreiteiras.
E foi nessa simbiose entre Lula e elas que o Brasil virou
um exportador de corrupção para América Latina, Caribe, África e Europa.
Começou na Venezuela de Hugo Chávez e se expandiu para Peru, Colômbia, Equador,
Angola... com régios financiamentos do nosso BNDES e uma cereja do bolo: os
marqueteiros de Lula incluídos no pacote.
Para Fernando Gabeira, há uma estratégia nas investidas
do triângulo Lula-Odebrecht-BNDES em tantos países: a mistificação de Lula, sua
transformação em líder mundial de massas. Mas o revertério pega de jeito não só
ele, mas também os aliados que entraram no esquema internacional. Ou seria pura
coincidência que Lula esteja às voltas com a Justiça ao mesmo tempo que outros
ex-presidentes, como o do Peru.
Lula desceu a rampa do Planalto com 80% de popularidade e
ficou ainda mais à vontade nas suas relações com as empreiteiras, mantendo o
controle do BNDES com Dilma na Presidência e viajando pelo mundo nos aviões da
Odebrecht.
Por trás da desgraça da nossa Petrobrás estão as grandes
empreiteiras e seus controladores agora presos. E, por trás dos processos
contra Lula, estão as mesmas empreiteiras e seus controladores: o do triplex, o
do sítio de Atibaia, o do Instituto Lula... logo, há profunda conexão entre
Lula e elas, uma clara relação de causa e efeito, um jogo em que todos
ganhavam. E, como ganhavam, agora perdem juntos. Ou vão para a cadeia juntos.
No seu discurso de ontem, Lula se colocou como um novo
“pai dos pobres”, a eterna “vítima das elites”, mas, se os ganhos sociais são
inegáveis, quem mais lucrou na sua era foram o sistema financeiro e as
empreiteiras, enquanto estatais, bancos públicos e fundos de pensão eram devorados.
E ele atiçou a militância contra Moro e a mídia, jogando álcool na fogueira e
isolando ainda mais o PT e as esquerdas. A baixa adesão à manifestação pró-Lula
num dia histórico, e no berço do PT, já diz tudo.
Quanto a Dilma: ela efetivamente cometeu crime de
responsabilidade com as pedaladas, além de governar com a velha e perigosa
avaliação de que “um pouco de inflação não faz mal a ninguém” e gastar
desbragadamente é “bom para povo” (que, obviamente, é quem depois paga a conta
com juros e lágrimas). E vivia de canetadas: na quebra de contratos no setor
elétrico, na exploração do pré-sal, na queda artificial dos juros.
Enfim, Dilma caiu porque o Brasil não aguentaria mais
dois anos de Dilma, assim com Lula foi preso por ambição, cobiça e uma
promiscuidade com empreiteiras (para ficar só nelas) incompatível com a
Presidência da República e com a sua emocionante biografia e seu vibrante
carisma.
Foi, além de tudo, uma traição à origem do PT, que nasceu
para lutar por um País mais justo e mais ético – não para Lula chegar ao pódio
e dali mergulhar alegremente nos tentáculos da Odebrecht e da OAS e nadar de
braçada nas piores práticas do velho Brasil.
*Publicado no portal do jornal Estadão em 08/04/2018
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