Indignação*
** Denis Lerrer
Rosenfield
No próximo dia 4 será retomado o julgamento do habeas
corpus do ex-presidente Lula relativo à sua condenação em segunda instância e à
sua provável prisão pelo TRF-4. Não se trata de um evento qualquer, não apenas
por dizer respeito a um ex-presidente já condenado, mas por ser nele decidido
se a lei e a Constituição valem para todos ou não.
Com muita propriedade, um ministro disse que, para ele,
não fazia a menor diferença o ex-presidente ou outro cidadão qualquer, pois ou
vigora a universalidade da lei ou vale apenas a dos que têm mais dinheiro para
recursos ou mais prestígio para impor a sua vontade. Em todo caso, seria a
coisa pública, a República, que estaria desmoronando.
A questão torna-se ainda mais premente por estar a
sociedade brasileira em luta ferrenha contra a corrupção e os mais diferentes
tipos de privilégios. É tanto o sucesso da Lava Jato quanto os benefícios e
penduricalhos de juízes e promotores, cujo caso mais emblemático atualmente é a
imoralidade do auxílio-moradia.
Dentre outras consequências, nesse dia se decidirá se o
Brasil voltará a ser o país da impunidade ou não. Se nele só os mais
desfavorecidos vão para a cadeia ou se maiores criminosos, sobretudo os craques
no desvio de recursos públicos, sofrerão ou não o mesmo destino. O Brasil já
fez um longo percurso no combate à corrupção. Seria uma verdadeira lástima se o
sufocamento da Lava Jato fosse a sua conclusão.
É imperioso que, neste contexto, a sociedade reaja e não
caia na apatia. Esta pode ser o prelúdio da anomia, podendo abrir caminho para
as mais diferentes violações da liberdade. De nada adiantam discursos empolados
sobre a doutrina brasileira do habeas corpus enquanto doutrina da liberdade se
sua conclusão for a mera liberdade para praticar atos criminosos, assegurando a
seus agentes a impunidade. A liberdade não é o arbítrio do delinquir.
Nenhum engano é aqui possível. Se passar o habeas corpus
de Lula, livrando-o da prisão após a condenação definitiva em segunda
instância, o próximo passo será a tentativa do petista de conseguir um
artifício jurídico do mesmo tipo habilitando-o à candidatura presidencial.
No caso em questão, o Judiciário em primeira e segunda
instâncias cumpriu a sua função. O mesmo fez o Ministério Público Federal.
O Superior Tribunal de Justiça seguiu a mesma linha. O
País parecia estar se dirigindo para um governo de leis, valendo para todos os
cidadãos. Mas eis que a Suprema Corte, num movimento brusco, adota outro
procedimento, em grande controvérsia entre seus membros. A mensagem foi clara:
a Lava Jato encontrou aqui o seu limite, em que pese o seu amparo em todas as
outras instâncias jurídicas. Essa operação estaria caindo por suas virtudes, e
não por seus vícios.
Acontece que o STF veiculou também outra mensagem, a de
ser um Poder que se desacredita cada vez mais perante a sociedade. Ele está
pavimentando o caminho para uma espécie de desmoronamento institucional de
consequências imprevisíveis, causando graves danos à democracia.
Faça-se aqui menção, que deveria ser meramente anedótica,
se não fosse da maior gravidade, ao comportamento de alguns ministros. Um
chegou a dizer que uma decisão anterior do mesmo tribunal, de repercussão
geral, seria “provisória”, por sua vitória ter sido apertada. Não importa, na
verdade, o escore, mas o resultado, que passa a valer para todos os casos do
mesmo tipo. Se assim não fosse, decisões do Supremo tenderiam, em sua maioria,
a ser provisórias e relativas, instalando a insegurança jurídica. A Corte
encarregada de dirimir conflitos em última instância estaria perpetuamente
submetida às idiossincrasias de seus membros.
Outros fatos foram estonteantes. Num país onde a maioria
da população ganha de um a cinco salários mínimos, trabalhando arduamente, os
ministros dão-se ao luxo de não prolongar uma sessão da maior importância para
o País, conferindo ainda salvo-conduto a um condenado. Não poderiam trabalhar
mais duas ou três horas, ou o tempo que fosse necessário? Seria o País
secundário? Ou seriam mais importantes viagens previamente agendadas? O exemplo
para a Nação foi péssimo!
Enquanto isto, o condenado segue em campanha eleitoral
por todo o País, nos últimos dias na Região Sul, como se sua candidatura fosse
perfeitamente justificável. A lei para ele não vale, aproveitando-se de todos
os espaços para se apresentar ao “julgamento” do povo, como se fosse deste a
função de julgar atos criminosos. Na verdade, o que Lula, o PT e seu grupo
almejam é tornar a Constituição uma peça de ficção, mero instrumento de seus
objetivos não democráticos. Pretendem que o Brasil se torne uma Venezuela. Aqui
como lá, o povo seria apenas a ferramenta para impor ao País um regime
“socialista”. Eles seriam “O Povo”.
Reclamar agora de um episódio de violência mal explicada
de tiros que não produziram nenhum efeito não deixa de ser vulgar encenação.
Quantos tiros o MST não deu pelo País afora com o total apoio de Lula e do PT?
E os sequestros de trabalhadores e empreendedores rurais? E a destruição de
propriedades? E a morte e mutilação de animais, com os tendões cortados? Quem semeia
violência colhe os seus frutos.
Ora, não deixa de ser risível que esse mesmo MST,
considerado por Lula o seu “exército”, esteja encarregado de sua proteção.
Dizem eles procurar a paz, quando não cessam de produzir conflitos. Grupos
acostumados a violar a lei têm agora a “missão” de se apresentar como seus
defensores.
A sociedade não pode ficar apática. Deve manifestar-se
publicamente antes da decisão final do Supremo, indo às ruas, com a mensagem de
que a impunidade e o arbítrio não devem prevalecer. Se não o fizer, estará, por
omissão, contribuindo para uma séria crise institucional. Uma sociedade
indignada não se deixa dominar.
** Professor de Filosofia na UFRGS
*Publicado no portal do jornal Estadão em 02/04/2018
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