**Mary Zaidan
Foto: Arquivo de Ricardo Noblat/Reprodução |
Mais uma vez – e não têm sido poucas – o destino imediato
e futuro do país estará nas mãos do Supremo Tribunal Federal, ao qual tem
cabido distribuir, recolher e validar as cartas no Brasil de hoje. Não raro
sacando coringas escondidos nas mangas, e nem sempre preservando a Constituição
que deveria proteger.
É em torno da decisão dos 11 ministros sobre o habeas
corpus do ex-presidente Lula, prevista para o dia 4, que manifestações de rua
foram convocadas para hoje e para terça-feira. E que mais de mil juízes e
promotores deram aval a um documento que será entregue amanhã à Suprema Corte.
Com o título “Constitucionalidade da prisão em segunda
instância e não violação da presunção de inocência”, a nota técnica
transformada em abaixo-assinado do mundo jurídico impressiona. Em menos de
cinco páginas, eles reúnem argumentos para o STF manter a posição adotada por
pelo menos três vezes, a última há menos de dois anos, expondo quão calamitosa
poderá ser a reversão de tal entendimento.
E não se limitam ao fim da Lava-Jato. “A mudança da
jurisprudência implicará a liberação de inúmeros condenados, seja por crimes de
corrupção, seja por delitos violentos, tais como estupro, roubo, homicídio,
etc.”
O STF, com seu descomunal poder de mando, tem cometido
trapalhadas monumentais. O adiamento da decisão sobre Lula e o salvo conduto
deferido a ele são pouco perto da prática de surrupio de funções do Executivo e
do Legislativo. Algo para lá de heterodoxo.
Está em dívida também no que é de sua alçada exclusiva: o
julgamento dos que têm privilégio de foro. Uma excrescência que, aliada aos
sucessivos recursos nas diferentes instâncias, garante que autoridades e
aqueles que podem gastar fortunas com advogados permaneçam impunes.
Casos como o do ex-prefeito e deputado Paulo Maluf, que
correu por duas décadas, ou de crimes de Romero Jucá, que acabam de prescrever
depois de 14 anos, são apenas alguns exemplos. Corroboram com a nota dos juízes
e promotores, para quem “a ineficácia da persecução penal não se situa na
dosagem das penas, mas na incapacidade de aplicá-las”.
No âmbito da Lava-Jato é escandaloso: enquanto nas
instâncias inferiores já foram expedidas 188 condenações a mais de 150 réus, o
STF não julgou um único político depois de quatro anos. Prazo que o ministro
relator Edson Fachin considerou normal ao anunciar que deve despachar os
primeiros casos ainda neste semestre.
Um jogo de cartas marcadas, de embuste nacional, que
contribui para a descrença nas instituições, que, convenhamos, não têm feito
por merecer qualquer crédito.
Entre a Páscoa e o dia da mentira, fica a torcida para
que o espírito do primeiro derrote o segundo, na tentativa de livrar os outros
364 dias da danosa farsa que impera no país.
**Mary Zaidan é jornalista.
*Publicado no portal da Revista VEJA em 02/04/2018
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