A reforma trabalhista*
Inovações introduzidas na legislação correm o risco
de
ser boicotadas justamente por aqueles que deveriam
exigir seu cumprimento ou
aplicá-las
Aprovadas pelo Congresso Nacional em julho e com a
entrada em vigor marcada para novembro, as inovações introduzidas na legislação
trabalhista correm o risco de ser boicotadas justamente por aqueles que
deveriam exigir seu cumprimento ou aplicá-las: os procuradores do Ministério
Público do Trabalho e os juízes e desembargadores da Justiça do Trabalho.
Depois de terem se mobilizado – sem sucesso – para tentar
barrar a reforma da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que foi editada em
1943, quando eram outras as condições sociais, econômicas e políticas do País,
muitos procuradores e magistrados trabalhistas agora afirmam que deixarão de
aplicar as novas regras sob o pretexto de que elas seriam inconstitucionais.
Entre outras justificativas, eles alegam que, pela novas regras, o trabalhador
autônomo não terá as garantias da relação de emprego previstas pela
Constituição. Também alegam que alguns dispositivos da lei que modernizou a CLT
colidem com outras leis, especialmente o Código Civil. Dizem, ainda, que a
reforma contrariou convenções da Organização Internacional do Trabalho.
Agindo com o apoio das centrais sindicais, que
denunciaram a reforma à Comissão Interamericana de Direitos Humanos por ter
“sucumbido às exigências mercadológicas de grupos financeiros em detrimento do
capital humano”, esses operadores do direito sustentam que as instâncias
inferiores da Justiça do Trabalho não precisam esperar a decisão que o Supremo
Tribunal Federal dará à ação de inconstitucionalidade que foi aberta há dois
meses pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Segundo o
presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho,
Guilherme Feliciano, qualquer juiz pode afastar a eficácia de um texto legal se
considerá-lo inconstitucional.
A insegurança que esses magistrados poderão disseminar
nas relações entre patrões e trabalhadores é só um dos lados do problema. O
outro lado é o risco de desvirtuamento da hermenêutica jurídica. Se agirem de
modo irresponsável, interpretando a nova legislação trabalhista com base em
suas inclinações ideológicas e politizando a aplicação do Direito do Trabalho,
esses juízes porão em risco a isenção que se espera do Poder Judiciário.
Como a uniformização das interpretações pelas Varas
Trabalhistas, a redação de súmulas pelos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs)
e a consolidação da jurisprudência sobre as novas regras pelo Tribunal Superior
do Trabalho (TST) constituem um processo lento, isso significa que a reforma
trabalhista aprovada em julho enfrentará dificuldades para atingir, no curto
prazo, o objetivo de assegurar um ambiente mais propício para os negócios. O
excesso de normas e exigências para a contratação de mão de obra e para o
acerto do quadro de pessoal em períodos de dificuldades para a empresa sempre
foi apontado como freio para a expansão do mercado de trabalho. Por isso, a
reforma é vital para atrair investimentos e gerar empregos.
Ampliando ainda mais a confusão, no dia 28 de setembro o
Ministério do Trabalho publicou uma portaria, instituindo uma comissão de
juristas para apresentar uma versão consolidada da legislação trabalhista, com
“coesão, coerência e organicidade”, no prazo de 120 dias. A iniciativa, que
seria uma consequência imprescindível da aprovação da reforma, nesses tempos
esquisitos serviu de estímulo às forças retrógradas que não querem a
modernização das relações trabalhistas. Para evitar que a iniciativa do
Ministério do Trabalho criasse novas dificuldades políticas, pusesse em risco a
expressiva vitória obtida pelo governo com a aprovação da reforma trabalhista e
municiasse mais críticas da magistratura contra ela, o Palácio do Planalto agiu
com rapidez e a portaria foi sumariamente revogada no dia 29 de setembro.
O comportamento dos procuradores e juízes da Justiça do
Trabalho dá a medida das dificuldades que o País ainda tem de superar, para
modernizar o Direito do Trabalho.
*Publicado no Portal Estadão em 09/10/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário