Em nome da estabilidade*
Eliane Cantanhêde
Já que o Supremo Tribunal Federal (STF) virou a Geni da
vez, que tal entrar na contramão e defender a decisão do plenário, que estancou
uma crise institucional e evitou mais um grave sacolejo na já frágil situação
política, econômica e social? Nada nessa vida é perfeito, mas o Supremo,
empurrado para uma situação difícil, em que qualquer decisão seria duramente
criticada, optou pela saída possível: a de meio-termo.
Atual inimigo número 1 da população brasileira, Renan
Calheiros (PMDB-AL) foi impedido de assumir eventualmente a Presidência da
República no caso de ausência de Michel Temer, mas manteve a cadeira de
presidente do Senado por mais um mês e meio. Na prática, significa que o
Supremo deu alguns dias de vida útil para o supervilão da hora, já que o
recesso parlamentar começa na semana que vem e o sucessor de Renan será eleito
na reabertura dos trabalhos em fevereiro.
Então, objetivamente, o STF interrompeu uma crise
institucional de proporções imprevisíveis, em um momento em que o País já está
saturado de crises por um preço razoável: dar sobrevida de seis ou sete dias
para Renan que não muda um milímetro o destino dele. A sorte do senador e de
seus 12 inquéritos está lançada. Questão de tempo.
O problema foi o custo da decisão do STF na opinião
pública: uma imensidade de críticas, um enorme desgaste. Os brasileiros estão
exaustos com o tamanho, a disseminação e os valores estratosféricos que a
corrupção assumiu. Logo, querem sangue, troféus, execuções em praça pública. A
democracia e a justiça, porém, não se fazem assim. É preciso maturidade,
serenidade e até coragem pessoal de homens e mulheres públicos para remar
contra a corrente.
Foi isso que ministros como a presidente Cármen Lúcia e o
decano Celso de Mello acertaram, até mesmo com representantes do governo e com
parlamentares responsáveis e experientes como o vice-presidente do Senado,
Jorge Viana (PT-AC). Todos eles têm horror a que se diga que houve “acordão”,
mais ainda “acordão para salvar Renan”. Mas houve, sim, acordo, só que não para
salvar Renan. Nenhum deles quer ou vai salvar Renan de coisa nenhuma. Mas para
preservar o equilíbrio entre Poderes, a estabilidade institucional.
Ao afastar o presidente de um outro Poder por uma
liminar, sem haver urgência e fato novo, o ministro Marco Aurélio Mello não só
atravessou o samba e um julgamento em andamento como mexeu com os brios do
Senado e jogou o Supremo em uma emboscada, espremido entre endossar o arroubo
do colega ou partir para o confronto direto com o Legislativo. Não por acaso a
liminar do ministro foi no dia seguinte às grandes manifestações em 25 Estados
e no Distrito Federal, em que os grandes vilões foram o Congresso, o
desvirtuamento das dez medidas anticorrupção e, diretamente, Renan. O ministro
ficou “bem” com a opinião pública. Mas deixou Supremo “mal”.
Para conceder a liminar em um caso assim, como lembraram
Cármen Lúcia e Celso de Mello, deveria ter havido urgência e fatos novos,
ingredientes sobejamente existentes na liminar do ministro Teori Zavascki
afastando Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência da Câmara e do próprio
mandato. Por que a liminar de Teori contra Cunha foi aprovada por unanimidade
no plenário? E por que a de Marco Aurélio contra Renan não foi? Reflitam, por
favor.
Renan, que é Renan, só piora as coisas, ou joga gasolina
na fogueira, recusando-se a receber a notificação do oficial de justiça,
descumprindo uma liminar do STF e ontem tripudiando e chocando com uma frase
que soa como sarcasmo ou provocação: “Decisão judicial do STF é para se
cumprir”. Sinal de desespero? Só pode ser. Porque Renan Calheiros sobreviveu a
essa batalha, mas não vai ganhar a guerra com a Justiça.
Publicado no Portal Estadão em 09/12/2016
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