Nem sangue nem
escalpos*
Eliane Cantanhêde
Balanço da crise entre poderes: como
bem disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, todos os três demonstraram
orgulhosamente sua independência, agora falta demonstrar também a harmonia
entre eles, como determina a Constituição. Renan Calheiros deu o grito de
guerra para defender o Legislativo. Cármen Lúcia reagiu na base do “mexeu com o
Judiciário, mexeu comigo”. Michel Temer não desautorizou nem o Ministério da
Justiça nem a Polícia Federal.
Passada uma semana, parece claro que nenhum poder está
totalmente certo nem totalmente errado, e o que paira sobre todo o mal-estar é
a Lava Jato: o Judiciário investiga e julga, o Legislativo e o Executivo são
investigados e logo serão julgados e a sociedade quer sangue e o escalpo de
Renan, presidente do Senado, segundo na linha sucessória da Presidência da
República e alvo de 11 inquéritos.
Só que... não se fazem justiça e democracia com sangue
nem com escalpos. A opinião pública achou o maior barato o juiz Vallisney de
Souza Oliveira autorizar e a PF executar a prisão do diretor e três agentes da
Polícia Legislativa suspeitos de prejudicar investigações da Lava Jato contra
senadores e um ex-senador. Mas, desde o início, houve dúvidas no Legislativo,
no Executivo e também no próprio Supremo sobre a legalidade da operação,
chamada de Métis. A dúvida é razoável: se os senadores têm foro privilegiado, a
competência para agir no Senado é do Supremo, não da primeira instância.
A avaliação é de que Renan errou feio na forma, ao chamar
juiz de “juizeco”, o ministro da Justiça de “chefete de polícia” e a ação de
“fascista”, mas não errou no conteúdo, ao reclamar do excesso da primeira
instância contra um outro poder. A seu estilo, Rodrigo Maia também defendeu a
independência do Legislativo. E quem revisitar o discurso de Cármen Lúcia dando
um chega pra lá em Renan vai ver que ela, ali, já deixava uma janela aberta
para o questionamento da Operação Métis.
Ao condenar a agressão a um juiz, qualquer que seja, ela
ressalvou que juízes “são humanos e sujeitos a erros” e indicou o caminho ao
Senado: “o Brasil é pródigo em leis que garantem que qualquer pessoa questione
pelos meios recursais próprios”. Foi exatamente isso que Renan acabou fazendo
quando entrou com ações no Supremo pedindo a suspensão da operação e a
devolução dos equipamentos da Polícia Legislativa apreendidos pela Federal.
Além do risco de se tornar réu e até de perder o cargo no
julgamento do Supremo semana que vem (presidentes da República não podem
responder a ações penais e ele é o segundo na linha sucessória), o que também
mexe com os nervos de aço de Renan é a perícia da PF nas tais “maletas” da
Polícia Legislativa, capazes de, além detectar grampos, fazer grampos.
Rastreadas pelos peritos federais, elas podem revelar segredos do arco da velha
sobre a “polícia do Renan”.
A liminar de ontem do ministro Teori Zavascki funciona
como freio de arrumação. Não entra no mérito sobre quem extrapolou – a PF, a
Polícia Legislativa ou ambas –, mas questiona se houve “usurpação ou não de
competência” pelo juiz Vallisney e “a legitimidade ou não dos atos praticados”.
Ou seja, até pode haver ação contra a polícia da Câmara e do Senado, mas talvez
só por ordem do Supremo, até porque a ação da PF não era contra senadores, mas
aparentemente era essa a intenção.
Suspensa a guerra entre poderes, hoje tem reunião sobre
segurança pública com Temer, Cármen Lúcia, Renan, Maia, Moraes – ou seja, todos
os principais personagens da “crise” –, além do ministro da Defesa, os três
comandantes militares, o diretor da PF o chefe do Gabinete Institucional. Ainda
bem que será no Itamaraty, porque todos terão de ser muito diplomáticos – ou
hipócritas.
*Publicado no Portal Estadão em 28/10/2016
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