Pânico faz o
valente*
Dora Kramer
Reza um dito muito difundido no
mundo político que quando os fatos criam pernas, as pessoas costumam perder a
cabeça. É o que acontece com o presidente do Senado, Renan Calheiros, uma das
(grandes) bolas da vez na Lava Jato, alvo de diversos inquéritos no
Supremo Tribunal Federal, frequentador assíduo de recentes delações
premiadas.
Desprovido de pudor e movido a ousadia na condução de
seus interesses, o senador não é pessoa que se notabilize pela noção de limite.
Portanto, não chega a surpreender que recorra a termos como “chefete de
polícia” e “juizeco de primeira instância” ao se referir ao ministro da
Justiça, Alexandre de Moraes, e ao juiz Vallisney de Souza Oliveira, da Justiça
Federal do Distrito Federal. Este por ter autorizado operação de busca e
apreensão no Senado, sexta-feira última, e aquele por ser superior hierárquico
da Polícia Federal.
Foram presos quatro agentes da polícia legislativa por
suspeita de, com ações de varreduras em gabinetes e residências de senadores
investigados, removerem escutas instaladas pela PF com autorização judicial. Ao
que se sabe, ainda não está esclarecido se os agentes agiram como de rotina na
busca de grampos ilegais ou se realmente atuaram com o intuito de desmontar os
equipamentos da Federal e, com isso, atrapalhar as investigações da Lava
Jato.
É questionável também se a operação poderia ser feita por
ordem do juiz de primeira instância ou se seria preciso autorização do Supremo
Tribunal Federal. Pode ter havido precipitação da PF no afã de assegurar a
expedição da ordem que poderia ser recusada pelo STF. Daí a dizer, como disse o
presidente do Senado à moda petista, que a polícia usou de “métodos fascistas”
há grande distância.
As questões a serem dirimidas pertencem ao âmbito da
Justiça e devem ser abordadas mediante modos e linguajar civilizados. Em
dicionário algum o verbete “veemência” aparece como sinônimo de grosseria nem a
defesa eloquente de um ponto de vista autoriza o uso de vocabulário rude.
Notadamente em ambiente onde o decoro se impõe. Embora nem sempre seja
exercido.
Imediata e precisa a reação da presidente do Supremo,
ministra Cármen Lúcia, às palavras do vizinho de Poder exigindo respeito ao
Judiciário, lembrando que o insulto é inadmissível e, no caso, extensivo a
todos os juízes, ela inclusive. Pena que o presidente Michel Temer não tenha
tido a autonomia partidária suficiente para também impor um alto lá ao
destempero do correligionário. Ao calar consentiu que seu ministro da Justiça
fosse chamado de “chefete de polícia”. E se concorda com isso é de se perguntar
o que ainda faz Alexandre de Moraes no cargo.
O presidente do PMDB, senador Romero Jucá, apelou a que
se desse um “desconto” a Calheiros. Objetivamente pediu compreensão para com o
presidente do Senado. Faltou dizer a razão pela qual haveríamos de conceder
essa indulgência ao presidente do Senado. Estaria Jucá querendo dizer que
Calheiros está emocionalmente desestabilizado pelo fato de as investigações
estarem chegando aos calcanhares dele?
Se não for isso, parece que é. O pânico realmente
desestabiliza qualquer pessoa. A depender da pessoa, no entanto, o ato da
condescendência pode ou não ser a melhor atitude para a coletividade. Mas, quem
depende da invocação da piedade dos amigos só faz jus a ela quando não tem a
folha corrida na Justiça de Renan Calheiros.
Demorou, dançou. O potencial de
destruição da delação premiada da Odebrecht é muito maior que o capital de
ameaças de Eduardo Cunha. Depois que dirigentes e funcionários da empreiteira
disserem o que o Ministério Público considere útil sobrará pouco ou quase nada
para o ex-deputado.
Assim foi no mensalão com Marcos Valério.
*Publicado no Portal Estadão em 26/10/2016
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