O PT não perde o
vício*
Depois de levar uma humilhante surra
nas urnas como resultado da frustração de seu desastrado projeto de poder, o
outrora onipotente Partido dos Trabalhadores (PT) contempla agora a perspectiva
de se desmanchar como organização partidária, porque não poderá mais, talvez
nunca, contar com a sedução do Estado para amalgamar forças “progressistas” que
sustentem o mito do populismo hoje desmoralizado de Lula da Silva e seus
cúmplices, boa parte dos quais devidamente encarcerada. A reação dos petistas
ao amargo destino que lhes é reservado – refletida no grande racha que se
delineia no partido – é uma interessante demonstração das razões pelas quais a
aventura lulopetista deu com os burros n’água: ninguém é capaz de fazer
autocrítica, reconhecer erros cometidos. A culpa é sempre dos outros. Os
petistas perdem o pelo, mas não perdem o vício.
O PT foi desde sempre dirigido por Lula e pela corrente
majoritária hoje denominada Construindo um Novo Brasil (CNB). Diante da
incontestável liderança do ex-presidente da República, várias outras facções
partidárias, todas elas situadas ideologicamente à esquerda da corrente
majoritária, conviveram relativamente em paz com o comando partidário, até
porque sempre coube a cada uma delas sua parcela do poder que o partido detinha.
Agora, diante do fato de que o PT saiu das urnas de 2 de outubro como o 10.º
partido em número de prefeituras conquistadas, as cinco maiores correntes de
esquerda reuniram-se sob a legenda Muda PT e estão tentando antecipar a
discussão e a decisão sobre a mudança da direção nacional do partido.
Apesar de ter entre seus membros mais destacados o
ex-ministro José Eduardo Cardozo, o Mensagem ao Partido, segunda maior corrente
partidária, faz uma análise muito peculiar do panorama político, nas palavras
de um de seus principais líderes, o secretário nacional de Formação do PT,
Carlos Árabe: “Estamos sendo impedidos de chegar às prefeituras porque levamos
o rótulo de corruptos. (...) A maioria esmagadora dos petistas não fez nada nem
aprovou nada do que está sendo investigado. (...) A corrupção é uma cortina de
fumaça para excluir o PT. Existe uma seletividade”.
É uma forma cínica de se esquivar do fato de que os
eleitores brasileiros simplesmente repudiaram o PT nas urnas. Mas Árabe acha
que sabe de quem é a culpa: “A autocrítica tem que começar por quem fez algo.
Não vou fazer autocrítica de algo que não fiz. Sou da direção nacional há
décadas e nunca aprovei nada disso. (...) A direção tem que provar que não
houve nada de errado ou pôr para fora quem fez”. Enquanto “alguém” fazia, o
partido de que Carlos Árabe é dirigente era o que mais se beneficiava da
corrupção.
Já um dos mais notórios representantes da CNB, o
ex-ministro Gilberto Carvalho, fiel escudeiro de Lula, acha “um absurdo” o
movimento Muda PT estar planejando reuniões plenárias regionais para discutir a
crise e a mudança do comando partidário. Para Carvalho isso é “o de menos”
quando se leva em conta que “amanhã o Lula pode ser condenado, pode ser preso,
e não vai adiantar nada” realizar eleições no PT. Para Carvalho, é “inadequado
que em um momento tão grave (...) em que o País está sendo atropelado por
medidas do governo Temer, que gente importante do partido esteja se dando o
tempo de pensar mais nas coisas da renovação da direção do que em uma união
fundamental ao PT”. Pois é: o que está “atropelando” o País são “as medidas do
governo Temer”. E, como o PT não tem nada a ver com isso, basta que permaneça
fiel ao comando de Lula.
O fato é que a desconstrução do PT, até recentemente
inimaginável, parece provável, uma vez que seu comando está desmoralizado e se
tornou difícil o compartilhamento do poder, principal fator de aglutinação de
correntes diversas. A história do partido demonstra que ao longo do tempo nem a
conquista do poder impediu defecções importantes por parte de militantes
decepcionados com sua prática. Foi o caso dos ex-petistas que fundaram o PSOL,
em 2004. Agora, a porteira está escancarada.
*Publicado no Portal Estadão em 18/10/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário