Grande teatro*
Eliane Cantanhêde
Os próximos dias, as longas horas pela frente e o dia de
ontem do julgamento final da presidente já afastada Dilma Rousseff fazem parte
de um script preestabelecido há meses, que tem um desfecho para lá de previsível:
o impeachment vai passar por 60 ou 61 votos e o presidente Michel Temer passará
de interino a efetivo, herdando definitivamente a maior crise da história do
Brasil.
Até mesmo os gritos e o destempero de um lado e outro já
eram esperados nesse grande teatro, em que os senadores Gleisi Hoffmann,
Lindbergh Farias e Fátima Bezerra, do PT, e Vanessa Grazziotin, do PCdoB, são
protagonistas desde a comissão do impeachment, encerrada com 59 votos contra
Dilma, quatro a mais do que os necessários. Já na estreia do julgamento final,
ontem, Gleisi berrou em tom de desafio que o Senado Federal e os senadores da
República “não têm moral” para cassar “a presidenta”.
“Aqui não tem ninguém com moral para julgar ninguém,
muito menos para afastar uma presidenta”, julgou a senadora. “Não sou ladrão de
aposentado”, rebateu Ronaldo Caiado (DEM), numa referência direta ao marido da
petista, o ex-ministro Paulo Bernardo, réu por desvio do crédito consignado. A
partir daí, Gleisi insinuou que Caiado, líder ruralista, pratica “trabalho
escravo” e, como Lindbergh fez coro, Caiado sugeriu que ele fizesse “um exame
antidoping”. Os três sacudiram o ambiente, eletrizaram os telespectadores e
ameaçaram entrar com processo daqui e dali. Mas não mudaram nada, um único
voto.
Como também não mudam nada as testemunhas – ou o
“informante”, no caso do procurador de contas Júlio Marcelo – e o falatório de
defesa e de acusação.
Lá se vão nove meses, o tempo passa, o tempo voa, mas os
argumentos continuam iguaizinhos. Quantos votos a defesa de Dilma conseguirá
mudar? E a acusação? O ex-ministro José Eduardo Cardozo e a professora Janaina
Paschoal vão ficar roucos de tanto repetir no plenário tudo o que já vêm
falando nesse tempo todo na comissão e no plenário da Câmara, na comissão e na
pronúncia do Senado, mas que mágica podem fazer? Quem acha que houve crime de
responsabilidade vai continuar achando, quem acha que não houve, também.
A grande e real expectativa é diante da ida de Dilma ao
Congresso na segunda-feira, a partir das 9h, para enfrentar os senadores – em
particular seus ex-ministros –, olho no olho. Vai sair faísca e é uma situação
difícil de imaginar, que exige uma personalidade de ferro e pode gerar momentos
inesquecíveis. Se é que Dilma não vá desistir na última hora, já que ela não é
a melhor oradora do mundo, não conclui raciocínios, se atrapalha com conceitos,
coleciona frases constrangedoras.
Se for, Dilma vai investir na versão do golpe e na
vitimização: “Sou uma injustiçada”, repetirá à exaustão. Concretamente, porém,
não tem mais nenhuma carta na manga, depois que o PT, seu próprio partido – ou
melhor, o partido de Lula – desautorizou e jogou no lixo a tese de um
plebiscito para antecipar as eleições de 2018, o que seria só risível, não
fosse inconstitucional.
Em sendo assim, o julgamento vai se arrastar pelos
próximos dias com os mesmos personagens, mesmas falas, mesmos gestos teatrais,
para chegar a um “The End” que cada um ali sabe e a população brasileira
espera. Dilma volta para o ostracismo em Porto Alegre e Michel Temer herda
definitivamente a crise, com o PMDB e o PSDB às turras e ameaçando o inadiável
ajuste fiscal, ponto zero da recuperação da economia. Conclusão: o resultado do
impeachment todo mundo já imagina, o que vem depois é que são elas.
Publicado no estadão.com em 26/08/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário