Ideologia na
escola*
Evidências não faltam de que muitos professores têm
transformado as salas de aula em laboratórios de doutrinação ideológica
esquerdista, sob o argumento de que é necessário criar “resistência” a uma
suposta onda conservadora. E não importa que os alunos em questão mal tenham
ingressado na adolescência e estejam pouco ou nada preparados para entender o
que é “luta de classes”, “imperialismo estadunidense” e outros tantos chavões
que ajudam a transformar o debate político em briga de bar. Interessa apenas
que esses estudantes, sujeitos à autoridade inerente ao professor, sejam
convertidos em potenciais propagandistas da causa, repercutindo
irrefletidamente os slogans mequetrefes ensinados por quem deveria se dedicar a
fornecer aos alunos instrumentos necessários para a compreensão do mundo em que
vivem.
Essa situação preocupante deu margem ao surgimento de
movimentos que se dispõem não apenas a denunciar a doutrinação, mas a exigir
que o Estado a impeça formalmente, por meio de lei. Uma das primeiras
consequências práticas dessa reação é o Projeto de Lei 867/2015, que veda em
sala de aula “a prática de doutrinação política e ideológica bem como a
veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em
conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos
estudantes”.
O projeto consubstancia o lobby de um grupo que se
intitula “Escola Sem Partido”, cujo objetivo oficial – “sem qualquer espécie de
vinculação política, ideológica ou partidária”, como diz seu site na internet –
é denunciar a propagação de ideologias em sala de aula. Na prática, porém, a
maioria absoluta dos casos divulgados pelo grupo diz respeito apenas a
professores e intelectuais de esquerda, donde se pode presumir, sem muita dificuldade,
que o movimento não faria muito caso – ou talvez nem existisse – se a
doutrinação ideológica em sala de aula se prestasse a disseminar ideias
conservadoras.
Nem é esse, contudo, o principal problema desse
movimento. Por mais que sejam execráveis as práticas de maus profissionais de
ensino, cuja fidelidade ao partido supera seu compromisso com a boa educação,
está claro que qualquer lei que limite o que se diz em sala de aula está
fadada, por definição, a servir a causas antidemocráticas. É claro que um
professor não pode pregar a subversão da ordem ou fazer apologia de crimes para
seus alunos, mas para esses casos a legislação ordinária já dispõe de
instrumentos de punição mais que suficientes. Basta que haja denúncia e se
instaure o devido processo.
Ao obrigar que as escolas afixem nas salas de aula um
decálogo sobre o que pode e o que não pode ser dito pelos professores para os
alunos, o projeto de lei do “Escola Sem Partido” flerta com o autoritarismo,
pois constrange a livre opinião, base da democracia. Quando se lê que o
professor “não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os
seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas,
religiosas, morais, políticas e partidárias” nem “fará propaganda político-partidária
em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos
públicos e passeatas”, conforme consta no tal decálogo, fica clara a tentativa
de normatizar, na base do constrangimento, o que é matéria apenas de bom senso.
É a conhecida presunção de que basta uma lei para que se corrijam supostos
desvios de comportamento.
Nada disso, é claro, deslegitima as denúncias a respeito
de professores mal-intencionados, que querem fazer de seus alunos obedientes
soldados de suas causas liberticidas e imorais. Mas cabe principalmente aos
pais, se perceberem que seus filhos estão a esposar ideias absurdas incutidas
por professores, exigir que a escola enquadre seu corpo docente, obrigando-o a
desempenhar sua tarefa precípua: dar ao aluno, de forma intelectualmente
honesta, as condições de refletir sobre a realidade por meio de conhecimento o
mais variado possível, equipando-o para ser um indivíduo livre, capaz de pensar
por si mesmo.
*Publicado no Estadao.com em 19/07/2016
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