Guerra ao Estado
de Direito*
Posar de pobre e
indefesa vítima de enorme injustiça – uma decisão soberana da ampla maioria da
Câmara dos Deputados, que obedeceu ao rito determinado pelo Supremo Tribunal
Federal – é um recurso demagógico que, à falta de melhor argumento, Dilma
Rousseff usa para se defender da iminente ameaça de impeachment. Proclamar que
não cometeu crimes, apostando no princípio de que uma mentira reiterada pode
acabar assumindo foros de verdade, é uma prática condenável do ponto de vista
moral, mas consagrada pela falta de escrúpulos dos maus políticos. O que é
absolutamente intolerável e inadmissível é que a presidente da República acuse
o Legislativo de, no exercício de suas prerrogativas constitucionais, praticar
um golpe contra as instituições democráticas. Assim procedendo, a cidadã Dilma
Rousseff está deliberada e irresponsavelmente incitando a sublevação das
entidades e organizações ditas populares controladas pelo PT e suas linhas
auxiliares. Dilma Rousseff, ela sim, declarou guerra ao Estado de Direito.
A Dilma Rousseff
que se apresentou em palácio na segunda-feira para comentar a aceitação do
processo de impeachment pela Câmara foi uma personagem até então desconhecida
do grande público: uma presidente afável, humilde, moderadamente indignada e
vergada sob o peso de uma enorme injustiça, que quase conseguia evitar o
tratamento irônico que sempre dedicou aos jornalistas que a acompanham por
dever de ofício. Havia saído de cena a Dilma agressiva, intolerante e
desafiadora que poucas horas antes gravara uma irada mensagem contra os
“golpistas” que ousavam contestar seu mandato – um pronunciamento tão
claramente inadequado e contraproducente do ponto de vista político que acabou
tendo suspensa sua veiculação em rede nacional de TV, também para evitar um
panelaço.
A Dilma de
segunda-feira, na interpretação de seu frágil papel de vítima dos inimigos da
democracia, cruzou sem hesitação a linha que separa o direito à defesa de
convicções pessoais do dever constitucional do presidente da República de
respeitar e defender fundamentos institucionais do regime democrático.
Em vez de se
defender objetivamente dos crimes de responsabilidade de que é acusada – e
praticou –, ela se dedicou a questionar a autoridade moral do presidente da
Câmara, cuja falta o desqualificaria para conduzir o processo. E, sem se
conter, exaltou a própria honestidade, como se ser honesto fosse mérito e não
obrigação elementar de qualquer autoridade pública. Eduardo Cunha e Dilma
Rousseff estão sendo acusados de crimes distintos. E, enquanto não forem declarados
culpados, as suas investiduras devem ser respeitadas e acatadas. É assim que as
coisas funcionam numa democracia.
Dilma perseverou
também na linha de defesa usada pelo advogado-geral da União, José Eduardo
Cardozo, que, logo após a votação na Câmara, convocou a imprensa para repetir
os argumentos de que a presidente não cometeu os crimes de natureza fiscal que
lhe são imputados. Essa acusação está amplamente fundamentada na peça
acusatória dos advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal e
embasou o relatório apresentado ao plenário da Câmara pelo deputado Jovair
Arantes. Já o defensor da presidente deixou-se levar até os limites da ira,
insistindo na absurda tese de que o processo de impeachment consubstanciaria
uma conspiração contra o Estado de Direito.
Essa tese maluca
– e por isso mesmo perigosa – se transformou na grande bandeira política do PT,
acenada muito mais em função de garantir a sobrevivência do lulopetismo a longo
prazo do que propriamente de defender o mandato de Dilma. Até porque os
petistas, a começar por Lula, já dão por perdida a luta contra o impeachment. O
objetivo da tigrada agora é outro: trata-se de explorar ao máximo a
possibilidade de Lula voltar ao poder em 2018 e isso depende de sua atuação
como oposicionista nos dois anos e meio que tem pela frente. Se o custo desta
aventura será mais recessão, mais inflação, mais desemprego e menos esperança,
para eles pouco importa: será o zé povinho a pagar a conta.
*Publicado no
Estadão.com em 20/04/2016
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