Porto Alegre, uma cidade ferida
Adeli Sell*
Vejo tábuas cobrindo vidros como
Band-Aid em corpo ferido. Observo a turista entristecida com a pichação do
Monumento a Júlio de Castilhos, em plena Praça da Matriz. Sinto o cheiro azedo
que sai ao meu encontro do prédio que há 56 anos está inconcluso na Praça XV
com a Marechal Floriano, o famigerado Esqueleto, um cadáver a ferir nossa
sensibilidade.
Há poucos metros dali, uma multidão
observa apreensiva o nosso Mercado Público fechado, sem o seu indescritível
burburinho e o cheirinho das comidas e do café. Ah, o café, que falta que faz.
É como ferida que precisa de bálsamo.
Tento agora reviver meu primeiro
olhar sobre Porto Alegre e do mesmo local no alto do Morro Santa Teresa,
encontro o nosso Belvedere Rui Ramos carcomido, aos cacos, sem sinal de
restauração ou de um restaurante panorâmico que já teve.
Marchando por todos os lados, tropeço
nas lajotas quebradas da Rua da Praia de onde sumiram as tradicionais pedras
bem cortadas e coloridas. Pouco mais adiante, no Viaduto Otário Rocha - de
tantas horas vividas com meus afazes de livreiro - encontro o cinza mais cinza
da cidade. Dali enxergo o velho Capitólio em processo de revitalização, com uma
parte recuperada, mas já com necessidade de reparos, novamente.
Prédios fechados, abandonados, por
todos os cantos, seja no Centro e no outrora imponente IV Distrito. Paro e
penso e me vem à memória estas e tantas outras feridas desta cidade. Onde
buscar o bálsamo para curá-las? Cicatrizá-las? Há de ter. Vamos em busca dos
remédios. Custe o que custar. Seja por ações públicas, privadas, não
governamentais ou pessoais.
Afinal, o Mercado já se recuperou de
outros incêndios e os tapumes começam a ser retirados dos vidros. Também
curamos as chagas da Praça Otávio Rocha onde sentado discuto com o pessoal o
destino do Esqueleto, donde busco notas para a sua recuperação, donde escrevo
sorvendo um café onde jamais imaginava podê-lo fazer.
Lembro que ontem ao passar pela Mauá
não vi mais os sujos tapumes da Secretaria da Fazenda e vejo agora um edifício
imponente com estilo eclético. E ao cruzar diariamente pela Duque de Caxias
vejo a Pinacoteca quase pronta, numa recuperação emocionante de um velho
casarão abandonado e fantasmagórico.
Sim, feridas podem ser curadas, se
não deixarmos que o corpo seja tomado pela gangrena.
Ainda há tempo.
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