Código de postura x código de convivência
urbana
Adeli Sell*
A língua portuguesa não mudou tanto
ultimamente. E não adianta atropelar a tradição. Palavras não adquirem
significados pela mudança dos ventos. Conforme o dicionário, postura é
"ordem emanada das câmaras municipais que obriga ao cumprimento de certos
deveres de ordem pública". Convivência é "relacionamento estabelecido
entre pessoas que convivem diariamente; convívio próximo e contínuo;
intimidade. Ação de coexistir (num mesmo local) de maneira harmoniosa".
Sem dúvida, a palavra convivência é "mais
simpática", mas para os objetivos a que se propõe a lei criada em 1975 e
que versa sobre Código de Posturas de Porto Alegre uma norma pública "de
convivência urbana" está mais para uma orientação sobre como fazer do que
uma norma para ser cumprida por pessoas, instituições, entes públicos e
segmentos privados.
Em Bogotá – cidade que muito nos inspira –
chamamos de código de "policia". Proponho que se mantenha a
terminologia de Código de Posturas em Porto Alegre, pois precisamos ter regras,
por isso o nome de código. E código não casa com convivência, porque
convivência é adesão. Norma é regra, imposição.
Criado durante a ditadura militar, o documento
será modificado desde a concepção sobre a sua finalidade até a garantia do
direito essencial ao contraditório diante das sanções do Executivo. O debate
abrangerá desde o regramento de atividades comerciais e industriais, anúncios
publicitários, banheiros adaptados para uso do público, até normas para obtenção
de alvará de localização e funcionamento e emissão de alvará. Ou seja, trata-se
de um conjunto de leis (com regras e procedimentos) que impõe obrigatoriedade
aos residentes de um município fazer o que a lei prescreve. O código confere
legitimidade ao município para determinar “posturas” obrigatórias aos
residentes da cidade.
Escrito há cerca de 40 anos, o texto serviu
para a época. Hoje a vida urbana e o uso dos espaços públicos demandam outra
relação com os cidadãos. Pichar pode aproximar pessoas, mas não é legal. É uma
infração à Lei Ambiental. Assim como colocar dejetos em uma lixeira é uma
norma, uma imposição. Pode haver convivência entre pessoas que não a cumprem,
mas o poder público precisa impor a limpeza na cidade.
Não podemos também confundir o Código de
Posturas com o Código de Edificações, apesar de terem aspectos sombreados. Nem
pode se confundir com aspectos de regras para a obtenção de alvará de
licenciamento. Com os tristes episódios da boate Kiss e, mais recentemente no
nosso Mercado Público Central, um conjunto de movimentos foram feitos por
executivos e legislativos. Muitos equivocados e oportunistas. Os sinistros não
aconteceram por falta de legislação, mas pela falta de fiscalização e
procedimentos administrativos e gerenciais, típicos de "gestão".
Não tem sentido acantonar casas noturnas nas
extremidades da cidade. Não é ‘casa noturna’ - como diz um Decreto local - só
porque o restaurante, pub, café funciona até depois da meia noite. Temos que
ter normas, um código adequado junto com um Código de Edificações que garanta
segurança, sossego e acessibilidade.
Em momentos de crise, de tragédias, a razão
exige calma, menos passionalismos, mais razoabilidade. Advogo um novo Código de
Postura, mais um renovado Código de Edificações, fiscalização adequada, uma
cidade funcionando 24 horas, com regras claras para uma convivência cidadã.
*Escritor e consultor.
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