quarta-feira, 9 de janeiro de 2013


Golpe contra amigo, não pode. A favor de amigo, pode.

Ricardo Noblat

Quer dizer: golpe aplicado por nossos amigos, pode. Aplicado contra nossos amigos, não.
É o que parece claro a se levar em conta o que aconteceu no Paraguai em 2012 e o que se prepara para acontecer na Venezuela, esta semana.
Fernando Lugo, ex-bispo, presidente do Paraguai, era amigo do Brasil. Melhor dizendo: do PT que governa o Brasil há 10 anos.
Todas as forças políticas paraguaias - entre elas o partido do próprio Lugo - se juntaram para derrubá-lo.
Na Câmara dos Deputados, Lugo perdeu por 73 votos contra 1. No Senado, 39 a 4.
A Corte Suprema do Paraguai avalizou a derrubada de Lugo. Foi um "golpe legal".
Lugo teve menos de 48 horas para se defender. Eram pífias as provas reunidas para tirá-lo do poder.
Os países que formam o Mercosul, Brasil à frente, saíram em defesa da "ordem democrática". Apoiaram Lugo. E expulsaram o Paraguai do Mercosul.
A Venezuela entrou no Mercosul aproveitando a vaga que fora do Paraguai. Não entrara antes porque o Paraguai via com restrições a democracia praticada na Venezuela.
Irônico, não?
Em dezembro passado, Dilma despachou seu assessor especial Marco Aurélio Garcia para ir ver o que estava se passando na Venezuela às vésperas da posse de Chávez para seu quarto mandato presidencial consecutivo de seis anos.
E Marco Aurélio voltou de Cuba, onde Chávez se trata de um câncer na pélvis, fingindo não ver o golpe que está pronto para ser servido na Venezuela.
A Constituição venezuelana manda que o presidente eleito assuma o cargo no dia 10 de janeiro do primeiro ano do seu mandato diante da Assembleia Nacional ou do Tribunal Superior de Justiça. Do contrário sua vaga será ocupada pelo presidente da Assembleia, que convocará nova eleição num prazo de 30 dias.
Chávez está em Cuba desde dezembro quando foi operado pela quarta vez. Para isso a Assembleia Nacional, onde conta com folgada maioria de votos, concedeu-lhe licença de 90 dias. Licença que poderá ser renovada por mais 90 dias.
Eis a essência do golpe: dá-se Chavez por licenciado do cargo durante 90 dias. Seu vice governa no lugar dele. Se Chávez não morrer antes do fim da licença em curso, ganhará outra.
Se não morrer, mas se não puder assumir o cargo ao cabo do segundo período de licença, aí, sim, haverá nova eleição.
A Constituição não prevê prorrogação do mandato anterior de um presidente reeleito. Nem por doença nem por nenhum outro motivo. E é de prorrogação que na verdade se trata.
Se não está na Constituição o que se planeja fazer, é golpe. E mais escandaloso do que o golpe que despachou Lugo.
Marco Aurélio é um político experimentado.  Não lhe recomenda bem sugerir a Dilma avalizar o que até um simples estagiário de Direito classificaria de "golpe de mão".
Há menos de um mês, ao perceber que haveria resistência ao golpe dentro do Superior Tribunal de Justiça, Chavez demitiu de uma só vez seis ministros.
Sim, Chávez nomeia e demite ministros da mais alta instância da Justiça. A Constituição reformada em 2008 lhe concedeu tal poder. Assim como demite e pode nomear seu vice a qualquer momento.
A Igreja Católica venezuelana distribuiu, hoje, comunicado onde diz considerar "moralmente inconcebível" a manobra esboçada pelos "chavistas" para driblar o que determina a Constituição.
Caso deseje ser minimamente coerente, o governo brasileiro está obrigado a tomar posição pública contra o golpe. E se mesmo assim ele prevalecer, a batalhar para que a Venezuela seja expulsa do Mercosul. Como o Paraguai foi.
Comentário publicado no Blog do Noblat

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