O ajuste fiscal do Poder
Judiciário
Em meados de janeiro, o
presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, pediu ao ministro da
Economia, Paulo Guedes, uma reunião entre as equipes técnicas do STF, do
ministério e do Conselho Nacional de Justiça para discutir o possível estouro
do teto de gastos por parte do Poder Judiciário em 2020. Quando a emenda do
teto foi aprovada, em 2016, ela passou a valer para o Poder Executivo já no ano
seguinte, mas Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública
ganharam uma carência de três anos para que se adaptassem; entre 2017 e 2019,
se houvesse gasto além do limite, ele seria coberto pelo Tesouro Nacional. A
partir deste ano, a regra passa a vigorar para todos.
O Judiciário foi o único
poder a estourar o teto nos três anos da carência: o socorro do Tesouro foi de
R$ 101,7 milhões em 2017, R$ 1,073 bilhão em 2018 e R$ 2,4 bilhões em 2019.
Apenas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) conseguiu equilibrar as contas e
gastar abaixo do limite no ano passado, enquanto a Justiça do Trabalho foi a
que mais superou o teto, com despesas R$ 1,633 bilhão acima do limite. Para
2020, o teto do Poder Judiciário como um todo será de R$ 42,9 bilhões – em
comparação com o gasto total de 2019, o enxugamento será de quase R$ 1 bilhão.
O ajuste fiscal exige sacrifícios de todo os órgãos
e
instituições, e com a Justiça não é diferente
Diversas estatísticas
apontam o Judiciário brasileiro como o mais caro, ou um dos mais caros do
mundo, considerando os seus gastos em relação ao PIB. A edição mais recente do
Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, afirma que em 2018 o gasto
total do Poder Judiciário no país foi de R$ 93,7 bilhões, ou 1,36% do PIB,
considerando os números já revisados pelo IBGE. Em 2015, um pesquisador da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul mostrou que o Brasil gastava com sua
Justiça, em proporção do PIB, nove vezes mais que Inglaterra ou Estados Unidos,
e superava de longe qualquer outra nação desenvolvida ou em desenvolvimento,
com uma única exceção – El Salvador, que em 2014 gastava 1,35% de seu PIB com o
Judiciário.
Ainda segundo o Justiça em
Números, as despesas com pessoal consumiram quase 91% do gasto total do
Judiciário em 2018 – destaque para os R$ 72,17 bilhões com folha e encargos e
os R$ 5,82 bilhões gastos com benefícios. Não é algo muito difícil de se
explicar. Os juízes já ingressam na carreira com salários altíssimos, que os
colocam no topo do topo da elite econômica nacional. Mas a remuneração dos
magistrados não é o único fator a pressionar os gastos do Judiciário com
pessoal. Em dezembro de 2018, o Ipea lançou uma plataforma com dados
abrangentes sobre o serviço público federal, e mostrou que a média salarial dos
servidores do Judiciário em 2016 era de R$ 16 mil, contra R$ 14,3 mil no
Legislativo e R$ 8 mil no Executivo. Novos números do Ipea, desta vez
referentes a 2017 e considerando as três esferas de governo (federal, estadual
e municipal), mantinham o Judiciário na frente em média salarial – R$ 12 mil,
contra R$ 6 mil no Legislativo e R$ 3,9 mil no Executivo; ressalte-se que a
diferença cresce porque os salários nos Executivos e Legislativos municipais
são mais baixos, e o Judiciário só existe nos níveis federal e estadual.
A julgar pelos sucessivos
estouros do teto, as “fortes medidas de adequação” adotadas por “todos os
tribunais do país”, segundo ofício enviado a Guedes por Toffoli, não foram
suficientes – e nem teriam como sê-lo, diante de pressões corporativistas que
levaram, por exemplo, ao pagamento do imoral e inconstitucional
auxílio-moradia, posteriormente “incorporado” ao salário dos juízes com o mais
recente reajuste concedido aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Tudo isso
continuou a ocorrer mesmo durante a “carência” estabelecida após a adoção do
teto de gastos, ou seja, o Judiciário já sabia que precisaria controlar suas
despesas, e mesmo assim manteve pleitos que criariam um efeito-cascata para
toda a magistratura.
No mesmo ofício, Toffoli
alega que, ao apertar os cintos, “projetos na área de inovação tecnológica
voltada para a melhoria da prestação jurisdicional, por exemplo, perderão o
impulso hoje existente (...) Do mesmo modo, poderão ser afetados a segurança
institucional e os projetos de aproximação do Poder Judiciário com a
população”. Se isso realmente ocorrer, no entanto, terá sido por escolhas
inadequadas feitas durante aqueles três anos nos quais o Judiciário deveria
estar trabalhando para cumprir seu teto de gastos, em vez de ceder a pressões
corporativistas. O ajuste fiscal exige sacrifícios de todo os órgãos e
instituições, e com a Justiça não é diferente. Seja no Executivo, no
Legislativo ou no Judiciário, o que está em jogo é o melhor uso possível do
dinheiro do contribuinte.
Gazeta do Povo
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