O STF, a prisão após
condenação em segunda
instância e o
papel do Congresso
Após o voto de Rosa Weber
contra a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, em 24 de
outubro, o presidente da corte, Dias Toffoli, até buscou amenizar a impressão
de que o resultado em favor da impunidade já eram favas contadas e quis fazer
suspense sobre seu voto. Mas o desfecho não surpreendeu ninguém: nesta
quinta-feira, Toffoli desempatou o julgamento e, por seis votos a cinco, volta
a valer o entendimento que vigorou no país apenas entre 2009 e 2016: para se
iniciar o cumprimento da pena, será preciso esgotar todos os recursos em
tribunais superiores. Com isso, o ex-presidente Lula, condenado em três
instâncias por corrupção e lavagem de dinheiro no processo do tríplex do
Guarujá, já ganhou as ruas nesta sexta-feira; outros presos da Lava Jato, como
o ex-ministro José Dirceu, também já solicitaram a soltura.
Em seu voto, Toffoli
procurou tirar responsabilidade do STF, alegando que o artigo 283 do Código de
Processo Penal, cuja constitucionalidade estava em jogo no julgamento ora
encerrado, só tem a redação atual – segundo a qual “ninguém poderá ser preso
senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade
judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em
julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão
temporária ou prisão preventiva” – porque o Congresso a aprovou, em 2011, dois
anos depois de o Supremo decidir que a pena só poderia ser cumprida após o
trânsito em julgado. Mas, ao lavar as mãos desta forma, estaria o presidente da
corte devolvendo a bola ao Poder Legislativo, deixando subentendido que, se o
Congresso assim o desejar, pode restabelecer o início do cumprimento da pena
após a condenação em segunda instância?
Alterar o artigo 5.º da Constituição sem mudar o
Código de Processo Penal, ou vice-versa,
continuará dando margem à
judicialização do tema
Parece que sim, e já
existe uma série de projetos de lei e propostas de emenda à Constituição sobre
o tema, apresentados ou em trâmite tanto no Senado quanto na Câmara – alguns
foram protocolados recentemente, já considerando o possível resultado do
julgamento no STF. As PECs buscam alterar o inciso LVII do artigo 5.º da
Constituição, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito
em julgado de sentença penal condenatória”, enquanto os projetos de lei querem
mudar o artigo 283 do CPP. Com o fim do julgamento no Supremo, bancadas
partidárias estão se movimentando para que as PECs sejam votadas o quanto
antes, mas as duas frentes precisam caminhar em conjunto – alterar o artigo 5.º
da Carta Magna sem mudar o Código de Processo Penal, ou vice-versa, continuará
dando margem à judicialização do tema. Aliás, quando enviou o pacote anticrime
ao Congresso, o ministro da Justiça, Sergio Moro, havia incluído no texto a
mudança no CPP para harmonizá-lo com o entendimento do Supremo em vigor até o
julgamento desta semana, mas o grupo de trabalho formado para analisar o pacote
retirou este trecho. Os projetos de lei agora apresentados devem suprir essa
omissão.
Mas, ainda que o Congresso
aprove mudanças tanto no artigo 5.º da Constituição quanto no artigo 283 do
CPP, o tema tem tudo para voltar ao Supremo. Isso porque o relator das ADCs 43,
44 e 54, ministro Marco Aurélio Mello, afirmou que se trata de cláusula pétrea
que não pode ser abolida nem mesmo pelo poder constituinte derivado, exercido
pelo Congresso quando emenda a Constituição. Dias Toffoli, no entanto, afirmou
em entrevista após a sessão de quinta do STF que o Legislativo pode, sim, dar
nova redação ao inciso LVII. Esta é a posição mais razoável, porque permitir o
início do cumprimento da pena após condenação por colegiado não significa, de
forma alguma, a anulação da presunção de inocência. Os réus continuariam tendo
todo o direito aos recursos previstos na lei, mas o fato é que a análise das
provas e da culpabilidade do réu termina na segunda instância – havendo
condenação, a culpa está determinada, e não cabe a tribunais superiores
declarar a inocência desses réus, mas apenas anular sentenças por eventuais
irregularidades processuais.
Começar a cumprir a pena
de prisão após a condenação por um colegiado de segunda instância, que revisa
as sentenças da primeira instância, é a prática corrente em diversos países do
mundo desenvolvido, e não passa pela cabeça de nenhum jurista sério afirmar que
nestas nações não vigora o devido processo legal ou a presunção de inocência.
As PECs e projetos de lei que estão no Congresso podem consagrar de vez este
procedimento, evitando a insegurança jurídica que ocorre quando a principal
corte do país reverte seu entendimento sobre tema tão importante três vezes em
um período de 11 anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário