Dominou o Brasil por esses dias a turma do “quanto pior,
melhor”. Não eram mais, apenas, caminhoneiros ou donos de empresas
distribuidoras os envolvidos nos protestos. Não se tratava mais de uma mera
greve setorial a reclamar um escopo de medidas – muitas delas legítimas, diga-se
de passagem. Até porque, na integralidade, as reivindicações foram atendidas de
pronto, mesmo a um custo penoso e arriscado para os cofres públicos.
Infiltrados, no avanço do movimento que de fato paralisou o País, viram a
oportunidade de instalar o caos, em proveito próprio. Baderneiros tomaram
conta, assumiram os bloqueios, coagindo, ameaçando e atacando motoristas que
inicialmente engajaram-se na causa dos transportes para depois virarem reféns,
também eles, de uma pauta difusa de exigências, que chegava ao despautério de
pregar a intervenção militar. De partidos políticos a agentes de algumas
organizações sociais, muitas delas atuando na marginalidade, surfaram na onda.
Bandidos sem a menor responsabilidade ou senso de dever para com o País e o próximo.
Havia de tudo um pouco. Oportunistas a granel. Petroleiros que já contam com um
acordo salarial em vigor até o ano que vem acharam por bem, da noite para o
dia, cruzar os braços a despeito do veto estabelecido pelo Tribunal Superior do
Trabalho (TST), que considerou ilegal a mobilização por carregar claros sinais
de motivação político-ideológica. Nem a multa diária de R$ 500 mil no caso de
descumprimento da liminar inibiu os articuladores. No limite do devaneio eles
pediam a queda do presidente da estatal Petrobras, Pedro Parente, e pregavam a
cantilena de “Lula livre” como saída para solucionar os dissabores. Eis o
tamanho da inconsequência dessa turma, que age com um grau de chantagem sem
precedentes. Imaginá-la no poder, de novo, aparelhando o Estado para práticas
criminosas a torto e a direito seria um pesadelo. No festival de provocações,
como numa espécie de terra de ninguém, cada um tirava sua casquinha. Motoristas
de vans e motoboys entraram no embalo da baderna. No pano de fundo do cenário
de caos, que atingiu um nível inaceitável e generalizado, despontava a
fragilidade do governo. Ele demorou a negociar e quando sentou à mesa já era
tarde. Não contava com margem de manobra. Com as estradas bloqueadas não havia
muito o que fazer. Concedeu e atendeu sem ressalvas às demandas. A crise de
representatividade se instalou. Não apenas por parte das autoridades. Mesmo os
sindicatos de classe demonstravam não comandar seus filiados e os
desdobramentos da mobilização. A interlocução ficou quase nula. O Congresso
batia cabeça. A Justiça não se mexia. A ausência de líderes lúcidos piorava o
quadro. Com o exército e a polícia nas ruas, os brasileiros assistiram atônitos
aos impactos insuportáveis da anarquia, clamando por salvadores da pátria. Mais
de 70 milhões de aves morreram por falta de ração. Nada menos que um milhão de
toneladas de comida foram jogadas na lata do lixo. Apodreceram nos caminhões ou
nos galpões das empresas por falta de escoamento. Dá para se aceitar tamanho
desperdício diante da fome que se espalha como praga mundial? Produtores,
chorando, surgiram na TV contabilizando as perdas. No Porto de Santos, o maior
do País, cerca de 18 mil containers de carga restaram parados com prejuízos
estimados em R$ 600 milhões. Remédios tiveram de ser transportados por homens
da Força Aérea e do Exército. Quase 300 militares assumiram a direção de
caminhões pelas estradas. Nos hospitais em São Paulo, cirurgias de emergência
como transplantes de fígado, retirada de miomas e colocação de stents foram
suspensas por absoluta falta de produtos. A esculhambação geral tinha rostos
distintos. Agromilicianos entraram em campo nas fazendas produtoras para barrar
as colheitas. Em vias como a Régis Bittencourt, que liga o sul ao sudeste,
manifestantes esvaziavam os pneus dos caminhões e faziam barricadas de fogo
para evitar a circulação. Um flagrante deplorável de servidores públicos usando
ambulâncias para abastecer carros privados dava o tom da barbárie. Nessa lei da
selva, alguns brincaram de golpe. Bombardearam a democracia pedindo a volta do
regime dos tanques e botinas. Cair na tentação autoritária é típico de
insurgentes que não toleram a força das urnas. Repetir como em um videotape os
anos de chumbo da ditadura, que já deitou raízes por essas bandas por mais de
duas décadas, é de um descalabro absoluto. Com tamanha estupidez seus
mentores agridem a sociedade por tentar tirar dela o direito fundamental de
escolha dos governantes. Qualquer democracia, mesmo imperfeita, se conserta com
doses cavalares de mais democracia, com maior participação de todos os
cidadãos. Quem vivenciou o drama dos porões da repressão sabe que a arma para
os problemas de uma nação livre e em sintonia com o mundo é o voto. É muito
fácil se pedir a ditadura quando existe democracia, mas a equação contrária não
funciona. Há um estado latente de indignação permanente por aqui e é natural,
até esperado, que seja assim diante do desarranjo político, econômico e social
que vivemos. Mas nada há de substituir o bom-senso e o equilíbrio das ações contra
a arruaça praticada por uma minoria que veio ao ataque.
*Chefe editorial da Editora Três
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