Eliane Cantanhêde
Sabem quando o
Brasil vai virar “uma Venezuela”? Nunca, jamais, em tempo algum, porque a
Venezuela não produz nada além de petróleo e o Brasil é um dos maiores
produtores agrícolas do mundo e exporta de aviões, ônibus e automóveis a
petróleo, minério de ferro e sapatos.
A Venezuela é
castigada há décadas por uma elite mesquinha e antinacionalista, que se
lambuzou do petróleo exuberante, estabeleceu-se nos EUA e nunca se preocupou
com o desenvolvimento do país e a criação de uma planta industrial – e de empregos.
No Brasil, a
elite é elite, com todos os seus defeitos e mesquinharias, mas aprimora-se,
estuda fora, investe nas amplas potencialidades do País: clima fantástico, sol
o ano inteiro, água doce e salgada, florestas abundantes. O agronegócio é
moderno e sofisticado, a Embraer está sendo cobiçada pela Boeing, a Marcopolo
exporta carrocerias de ônibus para toda parte.
Enquanto na
Venezuela as instituições estão aos frangalhos, no Brasil elas funcionam,
seguem regras, são transparentes, até expostas, com os julgamentos mais
importantes no Supremo e no Congresso transmitidos ao vivo. A imprensa é livre
e atuante. São muitas críticas, até exacerbadas.
Corrupção? Sim,
a Venezuela é escandalosamente corrupta, desde as poderosas autoridades até os
mais simples agentes públicos. Até para tomar vacina tem-se de pagar
propina.
No Brasil, como
nós assistimos quase que diariamente, a corrupção é medida aos milhões de
dólares, com uma promiscuidade doentia entre público e privado e corruptos tão
audaciosos que são (ou foram, não se sabe ainda) capazes de destruir um Estado
inteiro, como o Rio de Janeiro, e a principal estatal, a Petrobrás. Mas há uma
diferença fundamentam entre Brasil e Venezuela: a Lava Jato!
Com boa vontade
e alguma leitura, é possível entender como Hugo Chávez uniu a direita militar e
a esquerda nacionalista e seu regime vicejou na Venezuela. O projeto Chávez
fazia sentido, contra instituições falidas, corrupção crônica, inépcia, desvio
das riquezas para os Estados Unidos.
No Brasil,
apesar de todas as crises, da longa ditadura, de dois impeachments e, agora, 14
milhões de desempregados e uma violência urbana fora de controle, não há clima
nem tanto motivação para golpes como o de Chávez na Venezuela.
Mas essa não é a
principal diferença na política. A principal diferença é que, como no início
deste texto, nunca, jamais, em tempo algum, um sujeito como Nicolás Maduro iria
tão longe aqui. Tão longe no poder, tão longe na sua sanha destruidora do seu
país, afundado numa crise política, econômica, social e humanitária sem
precedentes.
Maduro acaba de
ser eleito com 67,7% dos votos, mas só dos votos confirmados, porque a
abstenção foi superior a 50%. E as eleições são questionadas gravemente não só
dentro, mas também fora da Venezuela. Ácidas críticas chovem dos EUA, da
Europa, das Américas, num crescendo em que só se excluem países como Rússia,
China e o peculiar Irã.
Além de assinar
uma nota duríssima do Grupo de Lima, que reúne países desde a Argentina até o
Canadá, passando pela América Central, o Brasil foi além. Numa nota que foge ao
padrão da diplomacia, via Itamaraty, o governo lamentou que a reeleição de
Maduro, por mais seis anos (uma eternidade!), “carece de legitimidade e
credibilidade”.
Acusou o país de
não ter atendido aos insistentes chamados da comunidade internacional por
eleições “livres, justas, transparentes e democráticas”. Logo, acusou-as de
serem justamente o oposto. Não falou sozinho. E vai ficando claro que agora é
guerra contra o regime Maduro e a favor do povo venezuelano, vilipendiado,
faminto e sem futuro.
Publicado no portal do Jornal Estado de São Paulo em 22/05/2018
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