A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen
Lúcia, veio a público, em pronunciamento anteontem na TV, para pedir
“serenidade”. O apelo foi uma tentativa de acalmar os ânimos ante o clima de
tensão envolvendo a sessão do Supremo que analisará, hoje, o pedido de habeas
corpus do ex-presidente Lula da Silva. Embora louvável, a iniciativa da
ministra Cármen Lúcia tende a ser tardia e inócua, pois quem quer que se sinta
contrariado com a decisão do Supremo não reconhecerá a legitimidade do resultado.
E isso só acontece porque o Supremo não vem se dando ao respeito, especialmente
no que concerne ao caso do ex-presidente Lula.
De nada adianta a ministra Cármen Lúcia vir agora pedir
que “as diferenças ideológicas não sejam fonte de desordem social” nem declarar
que “problemas resolvem-se garantindo-se a observância da Constituição”, pois
não é com platitudes como essas, por mais bem-intencionadas que sejam, que se
desarmam espíritos exaltados nem muito menos se recobra a deferência perdida
pelo Supremo. A máxima Corte do País está diante do grande desafio de recuperar
a dignidade, arruinada desde que se acocorou perante Lula da Silva.
Não é uma tarefa trivial, pois esse tribunal vem se
esforçando para dar ao País a impressão de que ali não vigora apenas uma
Constituição, a do Brasil, mas sim 11 “constituições”, cada uma criada por um
ministro. Para cada caso, a depender dos interesses em jogo, que pouco têm a
ver com a seara do direito, inventa-se uma interpretação sob medida para aquele
problema específico, desorientando os tribunais inferiores e induzindo seus
juízes a tomar decisões não conforme uma jurisprudência – pois há poucas
sentenças recentes do Supremo dignas desse nome –, mas sim segundo suas
próprias convicções. Assim, o ativismo político do Supremo é replicado por todo
o sistema, gerando enorme insegurança judiciária.
Há ministros do Supremo que enxergam essa Babel
hermenêutica com laivos de estranho romantismo. Luís Roberto Barroso, por
exemplo, manifestou recentemente a ideia de que cabe ao Judiciário, em geral, e
ao Supremo, em particular, “empurrar a História” rumo a “avanços
civilizatórios”. Discurso semelhante caracterizou as ideologias totalitárias do
século 20, cujos líderes julgavam saber o que a História reservava à sociedade,
cabendo a esta apenas aceitar as decisões desses iluminados profetas para
acelerar o passo histórico na direção do futuro glorioso.
Barroso reconheceu que houve um “aumento da
discricionariedade dos juízes”, mas isso se deu em razão do fato de que,
segundo ele, “o Legislativo foi perdendo a capacidade de antever problemas da
vida e dar soluções”. Portanto, segundo esse raciocínio, nada mais natural que
os magistrados, de vez em quando, legislem – em respeito a sabe-se lá que
interesses. Como resultado, o Supremo, a despeito do que o formalismo de suas
sessões e a linguagem empolada de seus membros sugerem, tornou-se terra em que
prevalece o grito de quem pode mais.
Num ambiente assim, é claro que tipos como o sr. Lula da
Silva se sentem em casa. Matreiro como ele só, o demiurgo de Garanhuns parece
intuir que a lei não serve para ele, pois sempre terá o Supremo para
interpretá-la a seu favor – razão pela qual pode sair País afora a fazer
comícios fora de época, a insultar juízes, promotores e a imprensa e a enxovalhar
a imagem do Brasil no exterior sem que nada lhe aconteça.
Quando disse confiar nas “instâncias superiores”, Lula
tinha certeza de que ali, no Supremo, seu caso teria tratamento político –
porque, do ponto de vista jurídico, não cabiam mais dúvidas sobre sua culpa.
Infelizmente, o petista pode ter razão.
Diante disso, a Nação espera não ter que assistir hoje a
um espetáculo que no entanto todos temem – a concessão de um indulto não apenas
para Lula, mas para todos os condenados e réus nos mais graves crimes de
corrupção que avassalaram este país. Que tal maracutaia – que poderia receber o
nome de “princípio Lula” – não seja o desfecho que sugerem obscuras conversas
de bastidores de políticos sem voto.
*Publicado no portal do jornal Estadão em 04/04/2018
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