Quem esperava que a tramitação de processos contra o
ex-presidente Lula fosse acompanhada de tensões nas ruas errou. Algum
nervosismo, clima pesado tem ocorrido é entre magistrados, e logo no Supremo
Tribunal Federal (STF). As ruas continuam tranquilas, por desalento da
militância, percebe-se, somado à provável falta de condições financeiras de PT,
sindicatos e ditos movimentos sociais para mobilizar a massa.
Pode fazer sentido a tensão, pois o STF é a última
instância judicial. Mas não é sempre que ritos e jurisprudências passam a ter
“releituras” e sofrem mudanças, para impedir a execução da pena de prisão de
alguém por corrupção e lavagem de dinheiro. É o que sucede na Corte em torno de
Lula, condenado a 12 anos e um mês de prisão no TRF-4, de Porto Alegre, segunda
instância da jurisdição do juiz Sergio Moro, da Lava-Jato, de Curitiba.
O julgamento, no STF, quinta, de um habeas corpus para
que Lula não seja preso na rejeição de recurso ao TRF-4, como estabelece
jurisprudência do Supremo, trincou o princípio republicano da aplicação
igualitária da lei entre todos.
Como alguns ministros não podiam ficar para julgar o mérito do HC — a sessão se dedicou a tratar da admissibilidade do pedido —, surgiu um problema de calendário, para a defesa de Lula: o TRF-4 tratará do recurso de Lula na segunda, 26, mas, devido à Semana Santa, feriado usufruído de forma ampliada pelos juízes, o Supremo só tratará do HC no dia 4 de abril.
Para ser cumprida a jurisprudência — o mínimo que se
espera —, o ex-presidente poderia ser preso antes do dia 4. Em mais um jeitinho
nada republicano, foi decidida por maioria de votos, 6 a 5, a concessão de
liminar prévia a Lula. Assim, rejeitados em Porto Alegre os embargos de
declaração impetrados por sua defesa, o que deve acontecer, Lula continuará
livre até a apreciação do mérito do HC. Algo raro, se não inédito.
A procuradora-geral Raquel Dodge encaminhou posição
contrária à manobra, também rejeitada por Alexandre de Moraes, Edson Fachin,
Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
O STF emitiu um cheque jurídico em branco para o
ex-presidente. Vai-se formando a percepção de que a maioria do Supremo passa a
tratar Lula como se ele não fosse um “homem qualquer”. Termo usado pelo ainda
presidente da República ao defender que o ex José Sarney não fosse investigado
e punido por nepotismo e edição de atos administrativos secretos, quando
presidia o Senado.
Vencida a etapa do habeas corpus, as pressões recairão
sobre o agendamento de duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs),
a fim de mudarem a jurisprudência do cumprimento de pena a partir da segunda
instância. Para que volte a ser o que era apenas entre 2009 e 2016: permitir
que o condenado recorra a todas as instâncias. Significa reinstaurar a
impunidade, pela quase certa prescrição dos crimes.
Tudo se encaminha para que Lula, com o habeas corpus no
bolso, possa fazer uma incendiária campanha eleitoral, para pressionar o TSE a
rasgar a Lei da Ficha Limpa e registrar sua candidatura ilegal.
*Publicado no portal do jornal O Globo em 24/03/2018
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