Carlos José Marques**
O STF não se cansa de expor em praça pública seus
vacilos, frágeis convicções jurídicas e apego midiático aos holofotes. As
sessões viraram circo, com direito a bate-boca, xingamentos que afrontam o
decoro e atitudes destemperadas de toda ordem. Até pedido para adiamento de
sessão devido à viagem de um ministro é usado como subterfúgio. “Tenho que
pegar um voo”???. É cabível uma desculpa dessa natureza? Pois Marco Aurélio
Mello levantou a “questão de ordem” para receber um cargo honorário no Rio em
meio ao mais esperado julgamento dos últimos tempos, o do habeas corpus
preventivo e sem fundamento que livra o condenado Lula da cadeia. O colega
Lewandovski aquiesceu com gosto, sugerindo à Corte considerar como procedentes
as “casuabilidades”. Viagens de última hora estão nessa categoria. É só
apresentar o “check-in” da passagem para receber o consentimento dos pares.
Difícil acreditar que o estratagema não estava previamente combinado. E fica a
questão: o ministro Gilmar Mendes tem compromisso em Lisboa no dia 4 de abril,
data prevista para a retomada do julgamento. E aí, vai adiar de novo? O Supremo
brinca com o País. Lança incertezas jurídicas através dos ajustes excepcionais
no regimento. Deixa decisões vitais em compasso de espera. Faz releituras
enviesadas da Constituição. Demove jurisprudências. Promove a fuzarca legal.
Talvez tenha descido ao degrau mais baixo do respeito moral da Nação. Debaixo
até do lugar reservado aos parlamentares do Legislativo. Não há brasileiro que
assista às audiências, televisionadas ao vivo, e que não fique estupefato,
tomado pelo sentimento de descrença. Que Justiça é essa movida a pressões
políticas? Para além das artimanhas, das brigas vexatórias, o Tribunal parece
flertar com acertos nada republicanos nos bastidores e segue ao sabor das
conveniências. O HC do honorável bandido petista, condenado em duas instâncias,
foi empurrado goela abaixo para ser votado às pressas antes que o TRF-4 de
Porto Alegre mandasse expedir o mandado de prisão. É surreal. Milhares de
outros habeas corpus mofam na fila e foram atropelados para tratar da
extraordinária condição do chefe de quadrilha, Lula – que se diz quase tão
inocente como Jesus Cristo. O demiurgo de Garanhuns continua sacudindo o coreto
dos magistrados. Depois de desmoralizá-los lá atrás, bradando em alto e bom som
que “temos um Supremo totalmente acovardado”, ele é paparicado por vossas
excelências. Ao menos por parte delas. Vários naquele tribunal não hesitam em
lhe prestar vassalagem, através de sentenças favoráveis, talvez acreditando
piamente que devem a ele o favor de estarem na cadeira que ocupam. A situação
de Lula foi congelada no tempo, com um viés, digamos, benéfico a suas
intenções. Uma liminar incomum, que se assemelha a um HC preventivo por tempo
determinado, ele já ganhou. E os outros réus do Brasil, criminosos de colarinho
branco ou não, batedores de carteira, assaltantes armados, meros larápios da
esfera pública e privada, condenados em segunda instância como ele, que estão
no aguardo com os seus HCs para sair das grades, também serão favorecidos pela
liminar? A regra vale geral ou é feita sob encomenda, “on demand”, para Lula?
Que fique sacramentada a nova ordem: nem todos serão iguais perante a Lei, na
interpretação peculiar do Supremo. Mais adiante, se o STF livrar o petista, os
demais deverão ser imediatamente soltos, implodindo de vez com a Lava-Jato.
Para efeitos concretos, libertem logo Sergio Cabral, libertem Eduardo Cunha,
coloquem na rua a cambada de privilegiados que a Justiça não quer incomodar,
cada bandido desse imenso território, a corja de políticos que dilapidou as
finanças públicas. Se a punição será aplicada somente quando esgotados todos os
recursos, a impunidade vingará na esfera dos ricos e poderosos, únicos capazes
de, pagando regiamente, estender a perder de vista seus processos. Quem mais
vai ser preso nessa corriola no País? Quem vai delatar? Pra quê? Vamos ao
mérito da discussão maior: a prisão em segunda instância. A titulo de
ilustração, para se ter uma ideia do descalabro sobre o assunto, basta lembrar
que das 194 nações filiadas à ONU, 193 delas prendem em primeira ou, no máximo,
na segunda instância. Adivinhe qual o único país do grupo que ainda discute
isso? Óbvio, o Brasil. Uma barbaridade. O debate sobre a prisão em segunda
instância, que por aqui já foi votada três vezes e entrou em vigor há menos de
um ano, presta-se ao casuísmo, ao anseio de acobertar um marginal que já
dirigiu os destinos da Nação. A efetiva revisão da Lei dará a ele e a muitos
outros um salvo conduto para continuarem delinquindo.
*Publicado no portal da Revista IstoÉ
**Diretor Editorial da Editora Três
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