O País do carnaval*
Eliane Cantanhêde
Dois milhões de brasileiros foram às ruas de São Paulo no
sábado e, no domingo, um milhão invadiu a Rua da Consolação, no centro da
capital paulista. As fotos são impressionantes e dão muito o que falar e o que
pensar. O “povo” não quer só desgraça, o “povo” quer festa e carnaval!
Eles protestavam contra ou a favor da condenação do
ex-presidente Lula na Justiça? Ou da ameaça de prisão do maior líder popular do
Brasil? Ou seria contra ou a favor do governo Michel Temer? Da reforma da
Previdência? Da reforma trabalhista? Da privatização da Eletrobrás ou da
combinação da Embraer com a Boeing dos Estados Unidos?
Seria então contra ou a favor da posse da deputada
Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho? Do auxílio-moradia de juízes,
procuradores e parlamentares? Ou da falta de julgamento dos políticos com
mandato pelo Supremo?
Ah! Foi por causa do aquecimento global, da crise hídrica,
das peripécias de Donald Trump, da implosão da Venezuela? Senão, foi contra
o Aedes aegypti, que continua dando um banho nas autoridades brasileiras?
Ou diretamente contra as doenças transmissíveis? Num ano, zika, chikungunya,
H1N1. No outro, febre amarela. Febre amarela, que se combate com vacina???
Não, nada disso. Milhões de pessoas estão indo às ruas de
São Paulo, do Rio, de Salvador, do Recife... para pular o carnaval e mostrar
que o Brasil é muito maior do que sua corrupção e seus poderosos. Aliás, uma
semana antes de o carnaval começar, como os deputados e senadores, que abriram
o Ano Legislativo ontem já com um pé no avião para a folia nos seus Estados ou
para uma “folga” numa cidade bem bacana ou em praias paradisíacas.
O fato é que, como a gente sempre fala aqui neste espaço,
tem sempre alguém prevendo protestos, quebra-quebras, incêndios e mortes se
Dilma Rousseff cair, se mudarem as regras do pré-sal, se o Congresso derrubar
as denúncias da PGR contra Temer, se a reforma isso ou aquilo passar, se...
Nada disso aconteceu, nem mesmo quando o TRF-4, de Porto
Alegre, não apenas manteve a condenação de Lula como aumentou a pena imposta
pelo juiz Sérgio Moro, de 9 anos e meio para 12 anos e 1 mês, pedindo
cumprimento de pena após tramitação dos recursos no próprio tribunal. Um
punhado de militantes desfilava com suas bandeiras vermelhas, enquanto a
Bovespa batia recorde e o dólar caía. Tudo dentro dos conformes.
O presidente do TRF-4 circulou por gabinetes de Brasília,
o ministro da Justiça foi a Porto Alegre, o centro da capital gaúcha foi
isolado, atiradores de elite foram acionados. Muito ruído por nada. Nem os
apoiadores de Lula nem os críticos de Lula queriam guerra nem “mortes”.
O povo brasileiro está cansado de escândalos, de roubos,
de crises, de cortes, de todos os partidos embolados numa grande nuvem de
confusões. Mas o povo brasileiro nunca se cansa de carnaval.
Aliás, não apenas nos tradicionais Rio, Salvador, Recife,
porque o carnaval de rua cresce, ano a ano, em São Paulo e as fotos
do Estado de ontem mostram a força não só dos blocos de rua, mas
também da alegria e da disposição do brasileiro para a folia, para as festas
populares.
Se houve fotos impactantes assim na política foi nas
Diretas-Já e em junho de 2013, quando um aumento de centavos nas passagens
urbanas detonou um protesto gigantesco, surpreendente, sem lideranças,
partidos, alvos diretos. Mas que continua provocando efeito.
Aquela manifestação foi apartidária e um alerta geral aos
poderosos. E é altamente improvável que se repita contra a prisão de condenados
por corrupção, mesmo que esse condenado seja Lula. O “povo” é anticorrupção e
pró-carnaval!
*Publicado no Portal Estadão em 06/02/2018
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