Situação intolerável*
O ditador venezuelano Nicolás Maduro foi às redes sociais
para festejar “o melhor carnaval dos últimos anos” na Venezuela. Não havia
maneira melhor de escarnecer do sofrimento dos milhões de habitantes de um país
que está em acelerado processo de destruição. Tamanho grau de descolamento da
realidade é coerente com a transformação da Venezuela em Estado pária. A esta
altura, Maduro só encontra solidariedade entre liberticidas como são os casos
do PT e dos ditos “movimentos sociais” que orbitam o partido de Lula da Silva,
todos engajados na defesa do regime bolivariano. No mundo civilizado, em que a
democracia é um valor, não um meio para capturar o poder, tornou-se intolerável
a coexistência com Maduro e seus sequazes, razão pela qual o governo
venezuelano foi oficialmente desconvidado para a próxima Cúpula das Américas,
em abril.
Essa reação diplomática é o caminho mais adequado para
demonstrar ao mundo e especialmente à Venezuela que a escalada de sua crise não
pode mais ser vista como um assunto interno dos venezuelanos. A imensa massa de
cidadãos em fuga da Venezuela para os países vizinhos, como Brasil, Colômbia e
Equador, é a prova de que o problema já deixou há muito tempo de ser local.
Além disso, informações recentemente divulgadas pela
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à Organização dos
Estados Americanos, mostram que cerca de 80% dos venezuelanos vivem na pobreza
e que mais da metade está na pobreza extrema. Não é por outra razão que tantos
venezuelanos estão deixando o país – fala-se de um êxodo de 1,2 milhão nos
últimos dois anos – e que mães estão abandonando os filhos porque não conseguem
alimentá-los, conforme reportagem do jornal The Washington Post. Esse
quadro dramático obriga a comunidade internacional a exigir que o governo da
Venezuela aceite, sem mais delongas, as muitas ofertas de cooperação para
mitigar a penúria de seu povo.
É a emergência humanitária que agora deve nortear as
atitudes dos governos da região em relação ao regime de Maduro. Não cabe mais
esperar que o ditador, por si só, compreenda a situação insustentável de seu
país, pois isso não vai acontecer – e a celebração de Maduro no carnaval,
diante de tanto padecimento, é uma afrontosa prova disso. É preciso, portanto,
que o mundo pressione o ditador, pela via das sanções diplomáticas e
econômicas, para mostrar que a tolerância com a aventura bolivariana, que tanto
mal causou e ainda causa ao continente, acabou.
Como parte dessa pressão, fez bem o Grupo de Lima, do
qual fazem parte Brasil, Argentina, Colômbia, México, Paraguai, Peru e Canadá,
entre outros, ao “expressar seu mais firme rechaço” à antecipação da eleição
presidencial na Venezuela para 22 de abril. O que poderia parecer uma medida
democrática – afinal, para os chavistas, as urnas a tudo legitimam – nada mais
é do que uma nova manobra de Maduro para conservar o poder, pois, como lembrou
a nota do Grupo de Lima, “não pode haver eleições livres e justas com presos
políticos, sem a plena participação dos partidos políticos e líderes presos ou
inabilitados arbitrariamente, com uma autoridade eleitoral controlada pelo
governo, sem a participação de milhões de venezuelanos no exterior
impossibilitados de votar e convocadas originalmente pela Assembleia
Constituinte, órgão carente de legitimidade e legalidade”.
Como se observa, a margem de condescendência com a qual a
ditadura chavista sempre contou na América Latina estreitou-se
consideravelmente. Restou a Maduro apoiar-se em gente como João Pedro Stédile,
o chefão do MST, que chamou as terríveis notícias sobre a Venezuela de
“mentiras e manipulações da grande imprensa” e convocou “todos os militantes,
de todos os movimentos populares e partidos de esquerda” a “defender o povo da
Venezuela e o processo bolivariano”. Para Stédile e para seus seguidores, os milhares
de venezuelanos famintos que se amontoam na fronteira à espera de uma chance de
fugir daquele pesadelo simplesmente não existem.
Publicado no Portal Estadão em 15/02/2018
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