Terra, água e ar
Eliane Cantanhêde
Isso é tudo o que o ex-presidente Lula queria: o centro
de Porto Alegre sitiado por terra, água e ar, com atiradores de elite por toda
parte e cenário de filmes de ação, para que os três desembargadores do TRF-4
possam dar um veredicto amanhã, pela sua condenação ou absolvição. Imaginem as
imagens!
Com esse grau de dramaticidade, Lula vai tentar mostrar
não só ao Brasil, mas ao mundo, o quanto ele é poderoso e “vítima” de uma elite
que domina até o Judiciário e só pensa em riscar seu nome das cédulas de
outubro. No filme lulista/petista, Lula é “o bem”, o juiz Sérgio Moro é “o
mal”.
Se é capaz de culpar a Lava Jato pela falência do Rio e
de passar a mão na cabeça de Sérgio Cabral, acusado de roubar da educação, da
saúde e de tudo o que dependia de sua caneta de governador, imagine-se do que
Lula é capaz para se safar ele próprio...
Assim como o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique
Pizzolato fez de tudo para convencer as instituições e a sociedade na Itália de
que correria o risco de morrer nas penitenciárias brasileiras, Lula faz agora o
que pode e o que não pode para se dizer alvo do mesmo sistema torpe e de uma
justiça contaminada.
Bem, a Itália mandou Pizzolato de volta, ele passou um
tempinho na cadeia e já está livre, vivinho da Silva e sem um arranhão. O mesmo
pode acontecer com Lula: sair dessa como qualquer réu, condenado ou absolvido,
aguardando as outras ações. Ele não vai morrer por isso. Nem ele e tomara que
ninguém, apesar do aparato de segurança e da ameaça da presidente do PT.
Soa estranho quando intelectuais não se horrorizam com a
necessidade de aviões, navios e tanques para a segurança dos desembargadores,
mas se metem a falar sobre autos que não conhecem, para inocentar Lula com a
mesma sofreguidão com que seus adversários exigem a condenação.
Em sua condenação, Moro concluiu, grosso modo, que
empreiteiras ofereciam o triplex a Lula com uma mão enquanto roubavam dinheiro
público com a outra. Sob outro ângulo, que Lula negociava vantagem pessoal para
deixar as empresas roubarem em paz. O TRF-4 vai julgar se há ou não provas e
evidências disso.
Os opositores de Lula dispensam provas (?!). Os
defensores alegam que ele tem o direito de comprar apartamento e alugar sítio.
Ora, ora! Se ele tivesse comprado o triplex ou alugado o sítio de Atibaia não
haveria nenhum problema, nenhum processo, nenhum fuzuê, nem aviões e tanques
amanhã. O problema é justamente o contrário: ele não comprou nem alugou e é
acusado de tê-los ganho num troca-troca entre corruptores e corruptos.
Outros defensores de Lula sugerem algo ainda mais
bizarro: que os desembargadores anulem tudo, porque, afinal, Lula é Lula e eles
devem jogar a Constituição, as leis e a responsabilidade no lixo para atender à
pressão de quem? Dos intelectuais! Dos intelectuais do Direito ao menos? Não,
de qualquer um que seja tratado como intelectual.
Muita calma nessa hora! O debate irascível, a guerra e a
parafernália em Porto Alegre desrespeitam a Justiça e, repita-se, servem para
endeusar ainda mais Lula, que conduz corações e almas e conspira contra a
racionalidade, de um lado e de outro.
De nossa parte, o que se pode desejar é que o TRF-4 faça
justiça. Como? Os três desembargadores, que estudaram Direito a vida toda,
estão lá por concurso e se debruçaram sobre cada página da condenação de Lula,
saberão como, para mantê-la ou não. O importante amanhã não é o que ocorrerá
fora, mas dentro do TRF-4. Deixem os homens trabalhar!
As eleições são outra história: se é praticamente unânime
que Cristiane Brasil não pode assumir o ministério por multas na Justiça do
Trabalho, por que Lula deveria assumir a Presidência depois de tantas
complicações na Justiça?
*Publicado no Portal Estadão em 23/01/2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário