País de rupturas*
O que se viu até agora em termos de adesão popular
à
antecipação das eleições é nada
João Domingos
Caso a crise se agrave mais e obrigue o presidente Michel
Temer a acatar a sugestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de propor
ao Congresso emenda constitucional que antecipe as eleições gerais, o País
passará pela quarta ruptura institucional desde 1964.
Com uma diferença. Ao contrário de 1964, em que o
afastamento do presidente da República se deu por um golpe militar que atendeu
manifestações de rua reverberadas pelos meios de comunicação, e de 1992 e 2016,
em que o Congresso se curvou aos protestos populares, também com eco por parte
da imprensa, e aprovou o impeachment, desta vez, se aceito o conselho de
Fernando Henrique, a ruptura terá de se dar a partir de uma negociação entre o
presidente e o Congresso.
Para Fernando Henrique, a antecipação das eleições gerais
revelaria um “gesto de grandeza” de Temer, expressão usada por ele em carta ao
jornal O Globo, na qual fez a sugestão.
Caso aceite a sugestão, Temer teria de convencer o Congresso,
também parte interessada, e muito interessada, a aprovar a emenda
constitucional que abreviaria seu mandato e o dos que estão na Câmara, Senado,
governos estaduais e assembleias legislativas.
Supondo-se que Temer e o Congresso concordem com o que
disse o ex-presidente, logo alguém se dará conta de que o Brasil de hoje carece
de lideranças políticas. Boa parte das que se encontram em atividade está
ferida pela Operação Lava Jato e outras similares. O próprio presidente está na
iminência de ser denunciado pela Procuradoria-Geral da República. Onde estão os
que poderiam assumir a frente das negociações? Quem souber de um, que aponte o
dedo.
Sem falar que Executivo e Legislativo vivem hoje momento de
grave fragilidade.
É o caso, então, de dizer que não há solução para o
Brasil? De jeito nenhum. As rupturas de 1964, 1992 e 2016 ensinam que o País
passou por um forte amadurecimento democrático. Em 24 anos dois presidentes
eleitos pelo voto popular sofreram processo de impeachment e as instituições
permaneceram de pé. As ruas acataram a solução dada e as coisas seguiram seu
curso normal. No caso da cassação de Dilma Rousseff, o PT e os partidos a ele
ligados reclamaram, mas estavam em minoria e seu grito não teve força para
reverter o processo; em relação a Fernando Collor, o impeachment só não foi uma
unanimidade porque o presidente afastado e alguns de seus amigos no Congresso
por certo não tinham como apoiá-lo.
Nos dois casos mais recentes, em 2016 mais do que em
1992, foi o Supremo Tribunal Federal que estabeleceu as regras e o rito do
impeachment.
O general Sérgio Etchegoyen, ministro-chefe do Gabinete
de Segurança Institucional, hoje um dos principais conselheiros do presidente
Michel Temer, costuma dizer que o País amadureceu tanto, que hoje a cidadania
supera o papel dos líderes.
Ele tem razão. Os líderes hoje não conseguem liderar
nada. Fazem papel figurativo. As manifestações, quando ocorrem, já não contam
com um partido político ou uma figura de destaque à frente. O chamamento para
as ruas é feito por artistas ou por sindicatos.
Mesmo assim, até agora com protestos muito tímidos. Sem
nenhum fato mais grave do que a divulgação da conversa entre o presidente
Michel Temer e o empresário Joesley Batista, não parece que a população está
disposta a sair de casa para novas manifestações. O que se viu até agora em
termos de adesão popular à antecipação das eleições é nada. Ou se põe 1 milhão
de pessoas na Avenida Paulista e outros milhões nas demais cidades,
simultaneamente, como nos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff, ou é
melhor nem tentar. Políticos com mandato não se impressionam com pequenas
aglomerações.
*Publicado no Portal Estadão em 17/06/2017