Lula candidato? Nunca*
Ele continua na ofensiva. Ataca sistematicamente o juiz
Sergio Moro. Desqualifica a operação Lava-Jato
Marco Antonio Villa
Luiz Inácio Lula da Silva está novamente no primeiro
plano da política brasileira. Mesmo condenado a nove anos e meio de prisão e
sendo réu em seis ações penais — excluindo diversos inquéritos que podem ser
recebidos pela Justiça —, hoje, ele é o principal ator do pleito presidencial
de 2018. Representa o que há de pior na política nacional: o descompromisso com
os destinos do Brasil, o oportunismo, a fala despolitizada, o caudilhismo, o
trato da coisa pública como coisa privada. Resiste à ação da Justiça contando
com o beneplácito da elite política, grande parte dela também envolvida com a
corrupção que apresou o Estado brasileiro.
A condenação — ou condenações — de Lula e o cumprimento
da pena em regime fechado não vai simbolizar somente a punição de um chefe — vá
lá — partidário que exerceu por duas vezes a Presidência da República.
Demonstrará mais, muito mais. Será o sinal de que ninguém está acima das leis,
que qualquer mandão — local ou nacional — não poderá se abrigar sob o manto das
nefastas relações políticas de Brasília. Isto pode explicar, por exemplo, a
reiteração do PSDB de que pretende vencer Lula nas urnas, como se a cédula
fosse superior à lei e a urna pudesse inocentar ou condenar um cidadão. Em
outras palavras, a prisão do ex-presidente indica que qualquer líder político,
inclusive do PSDB, poderá ser condenado e preso. Aí o espírito de corpo
transcende as fronteiras partidárias: eles, os senhores do baraço e do cutelo,
unem-se e rejeitam que um dos seus possa cumprir na cadeia a pena a que foi
condenado. Argumentam, hipocritamente, que a Justiça foi longe de mais, que
ninguém pode se sentir seguro, que o estado democrático de direito está
correndo sério risco. E não faltarão juristas — regiamente pagos — para
encontrar algum dispositivo na legislação que não foi devidamente respeitado e
que, portanto, seria nula a ação da Justiça.
A Constituição proíbe que o presidente da República
permaneça na função quando uma infração penal comum ou queixa-crime for
recebida pelo Supremo Tribunal Federal (artigo 86, parágrafo 1º). Assim, como
um condenado — e não réu — poderá ser candidato no pleito de outubro de 2018?
E, como qualquer candidato pode chegar à Presidência da República, teremos um
apenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro gerindo a coisa pública! O
que dirá desta vez o STF? Qual o malabarismo que será adotado para justificar o
injustificável?
Lula continua na ofensiva. Ataca sistematicamente o juiz
Sergio Moro. Desqualifica a operação Lava-Jato. Desmoraliza a ação do
Ministério Público Federal. E nada acontece. Poderia, de acordo com o Código de
Processo Penal (artigo 312) ser preso, no mínimo, por colocar em risco a ordem
pública. Nenhum ministro do STF saiu em defesa do juiz Moro quando vilipendiado
pelo criminoso Lula. Nenhum. Na última sexta-feira, foi chamado de “um cara do
mal.” Dias antes, de “surdo.” Disse que as provas foram arranjadas para
garantir sua condenação. Silêncio no STF. Por quê? Estavam viajando e não
tomaram conhecimento dos fatos? Tiveram medo? Encontravam-se cuidando dos
rendosos negócios particulares?
A desmoralização do estado democrático de direito joga
água no moinho do autoritarismo. Estimula o extremismo. Aponta que as
instituições estão a serviço de criminosos como Luiz Inácio Lula da Silva. O
curioso é que ele conta também com o apoio entusiástico dos partidos chamados
conservadores — no sentido brasileiro, não inglês. Basta acompanhar a política
na Região Nordeste. Lá o PSD, PP, PMDB, PR, PRB e PSB, entre outros, apoiam
entusiasticamente os governos do PT e a possível candidatura Lula. Desejam
manter seus feudos provinciais e garantir participação no governo central.
Pouco importam os valores democráticos, o cumprimento da Constituição. Não
estão nem aí com as instituições. Querem é participar da partilha do poder. Mas
não só os coronéis nordestinos que dão as costas ao interesse nacional. E o
grande capital? Este comunga da mesma forma de agir dos oligarcas: observa a
cena política sempre à procura de lucros, fáceis, preferencialmente. Não tem
qualquer contradição antagônica com Lula. Pelo contrário, o veem como um
realizador. Os mais entusiasmados o consideram um estadista. Ele representa a
ordem — e bons negócios, claro. Não custa recordar que o grande empresariado se
omitiu — com raríssimas exceções — na luta pelo impeachment de Dilma Rousseff.
A prisão imediata de Lula — e não faltam razões — não
conta com o apoio da elite dirigente. Temem uma comoção popular. Contudo,
quando da condução coercitiva, em março de 2016, nada aconteceu. Somando os
manifestantes que estavam em frente ao seu apartamento, em São Bernardo do
Campo, com aqueles que encontravam-se na sede do Partido dos Trabalhadores e no
Aeroporto de Congonhas, ambos em São Paulo, não havia mais que 500 pessoas,
isto apesar da ampla cobertura da imprensa. Nas recentes caravanas pelo Brasil,
em nenhum local houve ato que tivesse mais que cinco mil pessoas — na verdade,
na maior parte deles, o número poderia ser contado em algumas centenas.
Portanto, a “resistência popular” não pode ser usada como artifício para
justificar a complacência ou, sendo mais direto, a covardia.
A possível homologação da candidatura Lula pela Justiça
Eleitoral representará o ápice da desmoralização das instituições. A partir
daí, o país poderá entrar em um caminho sem volta. O imprevisível vai tomar
conta do país. E nenhuma alternativa política poderá ser descartada.
Marco Antonio Villa é historiador
*Publicado no Portal O Globo de 12/12/2017
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