Os números falam*
Tudo justifica que servidores contribuam para o ajuste
de
forma equivalente às vantagens usufruídas
Há de existir algo no imaginário da população que leva a
que figuras caricatas de servidores públicos apareçam em roteiros de ficção,
cômicos ou não, e mesmo inspirem piadas em que o funcionário sempre assume
papéis incômodos. Como de operadores insensíveis da infernal burocracia do
Estado brasileiro.
Obras ficcionais costumam explorar estereótipos, mas nem
por isso deixam de ter uma ligação com a realidade. Daí a popularidade de
muitas delas. O traço de injustiça que pode existir nessas imagens do servidor
público está na generalização. Mas elas refletem o que se passa em torres de
marfim no serviço público, em que salários e outros benefícios chegam a superar
a realidade da administração pública de países ricos. Sem falarmos da
corrupção, no varejo e atacado.
A mais séria crise fiscal de que se tem notícia na
história brasileira — muito porque nesta não existe inflação elevada para
ajudar a mascarar as despesas públicas reais — tem ajudado a iluminar a
contabilidade pública. Com o Tesouro a caminho da insolvência — até que seja
cortado o nó previdenciário —, números que nunca foram levados a sério ou
chamaram a atenção devida passaram a frequentar com mais assiduidade o
noticiário da imprensa profissional.
Tem então ficado evidente que, no descalabro fiscal, em
que se destaca a Previdência — já responsável por pouco menos que a metade das
despesas primárias da União, portanto sem considerar os juros da dívida —, os
benefícios pagos aos servidores têm grande peso no déficit total. Não apenas
isto, também fica demonstrado pelos números que a disparidade entre aposentadorias
de castas de servidores e os benefícios do trabalhador da iniciativa privada
(INSS) é eficiente indutor da concentração de renda no Brasil.
Aos números: o déficit existente nas aposentadorias de
apenas um milhão de servidores da União, em 2015, forçou o Tesouro a transferir
para este sistema R$ 90,7 bilhões, arrecadados de todos os contribuintes
brasileiros, pessoas físicas e jurídicas. Mais do que os R$ 85 bilhões
repassados para os 33 milhões de segurados do INSS. Disparidades como esta ajudam
a entender por que, apesar da miríade de programas ditos sociais, a má
distribuição de renda persiste. Há, é evidente, uma usina de desigualdades
operando a todo vapor em prol de castas e elites que habitam o Estado.
As discrepâncias são extensas no sistema previdenciário
como um todo. Enquanto no INSS há um teto de cinco salários mínimos para os
benefícios (R$ 5.531), durante muitas anos os servidores se aposentaram com o
último salário, ganhando ainda a paridade automática com o funcionário da
ativa. A regra só mudou para os admitidos a partir de 2013.
Resultado: a aposentadoria média no Ministério Público é
de R$ 18 mil; no Judiciário, R$ 26,3 mil e, no Congresso, R$ 28,5 mil. No INSS
é impossível ultrapassar R$ 5.531. E poucos chegam a este teto.
Os números justificam medidas que levem servidores a dar
uma contribuição ao ajuste minimamente proporcional às vantagens de que
usufruem. Isto se chama justiça social, no verdadeiro sentido do termo.
*Publicado no Portal O Globo de 16/11/2017
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