O déficit e a bomba*
Pressionado pelos gastos obrigatórios, o governo central
teve mais um déficit mensal em setembro e acumulou no ano um buraco
orçamentário de R$ 108,53 bilhões, pelos cálculos do Tesouro, ou de R$ 100,87
bilhões pelo critério do Banco Central (BC). Por qualquer critério o alarme
está soando de forma assustadora: depois desse balanço, restam três meses para
o Executivo fazer suas contas caberem no limite fixado para 2017, um déficit
primário de R$ 159 bilhões. Desde o ano passado as despesas obrigatórias superam
a receita líquida do poder central, representado na contabilidade pela soma do
Tesouro, do BC e da Previdência. Nos 12 meses até setembro, aquelas despesas
corresponderam a 103,7% da receita líquida, isto é, expurgada de transferências
constitucionais a Estados, municípios e regiões.
A Previdência continua sendo a causa principal do buraco
nas contas da União. Apertando aqui e ali e correndo atrás de receitas normais
e extraordinárias, o governo central conseguiu em nove meses acumular um
superávit de R$ 32,88 bilhões no saldo conjunto do Tesouro e do BC. Mas esse
resultado ficou muito longe do necessário para compensar o déficit
previdenciário, de R$ 141,41 bilhões de janeiro a agosto, pelos cálculos do
Tesouro.
Sem a reforma da Previdência, esse descompasso crescerá
nos próximos anos e as despesas com pensões e outros benefícios consumirão
parcelas cada vez maiores da receita fiscal e produzirão déficits crescentes,
entravando cada vez mais a administração pública. Se a reforma for assinada até
dezembro, o efeito sobre as contas de 2017 deverá ser nulo, mas já haverá, nos
mercados, maior confiança para a travessia dos próximos anos e o novo governo
começará com perspectivas bem melhores.
As contas consolidadas do setor público são calculadas
normalmente pelo BC. Incluem os números dos governos central, dos Estados e dos
municípios, com base em critério diferente do usado pelos técnicos do Tesouro.
Estes apontam a diferença entre receitas e despesas da administração. Os
especialistas do BC consideram as necessidades de financiamento. Por isso pode
haver divergência entre os dois tipos de balanços.
Segundo o BC, o resultado primário do setor público, em
nove meses, foi um déficit de R$ 82,11 bilhões, menor que o do governo central
porque os governos estaduais e municipais foram superavitários.
Mas a informação mais importante para a maioria dos
analistas internacionais é o chamado resultado nominal, calculado com inclusão
dos juros. Neste ano, até setembro, o saldo nominal do setor público foi um
déficit de R$ 385,24 bilhões, equivalente a 7,94% do Produto Interno Bruto
(PIB). O acumulado em 12 meses foi um buraco de R$ 567,52 bilhões, 8,75% do
PIB. Para este ano o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima para o Brasil,
nos três níveis de governo, um déficit correspondente a 9,2%. A média esperada
para as economias emergentes e em desenvolvimento é de 4,4%. Para a América
Latina, de 6,3%.
Enquanto os gastos obrigatórios, principalmente os da
Previdência, dificultam a gestão pública e os déficits se acumulam, cresce o
endividamento, mesmo com a redução da taxa básica de juros. A dívida bruta do
governo geral, formada principalmente pelos compromissos da administração
central, atingiu em setembro R$ 4,79 trilhões, 73,9% do PIB, de acordo com as
estimativas do BC. Pelo critério do FMI (com inclusão dos papéis na carteira do
BC), a dívida do governo geral brasileiro já alcançou 78,3% do PIB no ano
passado e deverá chegar a 87,7% neste ano, quase o dobro da média dos países
emergentes e em desenvolvimento (48,4%).
O endividamento, agravado pela irresponsabilidade
petista, chegará ao próximo governo como uma bomba de enorme potencial, se
Brasília for incapaz de moderar seu crescimento. Reformas são essenciais para
isso e a mais urgente é a da Previdência. O empenho do Executivo será
insuficiente, se o Congresso falhar no tratamento de um dos grandes problemas
nacionais, o desarranjo das finanças públicas. Não se trata de interesse do
atual ou do futuro governo, mas do País.
*Publicado no Portal Estadão em 1º/11/2017
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