A traição original*
Uma característica bastante lembrada do sr. Lula da Silva
- que muitos ingênuos chegam a considerar um “talento político” do
ex-presidente - é a desfaçatez com que ele procura se desvencilhar de membros
de seu mais íntimo círculo relacional sempre que, por imposição das
circunstâncias, eles venham a representar um embaraço às suas pretensões de
poder, estas postas sempre à frente de quaisquer laços que venham a ser
estabelecidos com o ex-presidente, sejam pessoais ou políticos.
O caso mais recente desse esquecimento seletivo de Lula
envolve a presidente cassada Dilma Rousseff, alguém que simplesmente não
existiria na vida político-eleitoral não fosse a ação direta de seu inventor.
Diante do desastre que foi a passagem de Dilma Rousseff
pelo Palácio do Planalto, cuja irresponsabilidade no trato das contas públicas,
a frouxidão no combate à inflação, a profunda recessão econômica e o desemprego
representam um legado indefensável até mesmo para os padrões do Partido dos
Trabalhadores (PT), a presidente cassada vem sendo sistematicamente tratada
como um estorvo pelo chefão e pelo partido que com ele se confunde.
Em recente entrevista ao jornal espanhol El Mundo,
Lula da Silva disse que os eleitores de Dilma Rousseff “sentiram-se traídos” em
virtude da agenda econômica adotada por ela após a vitória na eleição
presidencial de 2014, agenda esta diametralmente oposta ao discurso da
candidata durante aquela campanha.
“Houve uma decisão do governo de fazer o ajuste (fiscal).
Quando o governo anunciou o ajuste, no final de dezembro (de 2014), o governo
jogou fora a base social que tinha eleito o governo. As pessoas se sentiram
traídas”, disse o ex-presidente.
Ora, é o caso de indagar por que “as pessoas se sentiram
traídas”. O descalabro econômico que marcou o primeiro mandato de Dilma
Rousseff, cassada por ter cometido crime de responsabilidade, impunha a adoção
de uma dura política de ajuste fiscal a partir de seu segundo mandato, sob pena
de paralisar o País e, assim, arruinar o plano engendrado por Lula da Silva
para manter seu partido no poder durante décadas.
É importante lembrar que o próprio ex-presidente Lula, o
mesmo que agora critica a tentativa de ajuste em jornais estrangeiros, fez
enfáticas gestões com Dilma Rousseff para que esta substituísse a sua equipe
econômica, nomeando para cargos-chave do governo profissionais de mercado que
são publicamente conhecidos por suas posições em defesa da austeridade fiscal,
o que contrastava com a política de gastos descontrolados que marcou as gestões
lulopetistas e levou àquele estado de absoluto descontrole que uma campanha
eleitoral mentirosa escondeu dos brasileiros.
Longe de qualquer sinal de contrição, as críticas de Lula
da Silva à sua antecessora são movidas tão somente por seus interesses eleitorais,
se não como o candidato do PT à Presidência na eleição de 2018 - o que hoje
depende de uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) -,
como um possível cabo eleitoral em defesa do “legado” petista.
Por mais que tente, Lula da Silva não pode se
desvencilhar de seu verdadeiro legado desde a ascensão do Partido dos
Trabalhadores ao poder central, em 2003: uma profunda recessão econômica e a
instalação de um sistema de corrupção sem precedentes na História do País,
engendrado para submeter o Estado ao serviço do partido e de seu projeto de
poder, além, é claro, de garantir uma próspera existência a seus próceres à
custa do dinheiro público.
Tido como o primeiro operário a chegar à Presidência da
República, favorecido por uma base de apoio popular e congressual sem
precedentes, além de ter a seu favor a conjuntura internacional, Lula da Silva,
caso inspirado por bons desígnios, poderia ter conduzido o País rumo ao
benfazejo destino que antes era apenas sonhado. Mas, na encruzilhada da História,
fez sua opção. Traiu o Brasil e os brasileiros.
*Publicado no Portal Estadão em 30/10/2017
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