Janot deveria se demitir*
O procurador-geral deveria ter renunciado ontem ao cargo,
depois de ter se comportado de maneira tão descuidada em todo
o lamentável
episódio envolvendo a delação de Joesley Batista
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deveria
ter renunciado ontem ao cargo, sem esperar a data regulamentar de 17 de
setembro. Com esse gesto, Janot demonstraria que afinal lhe restou alguma
prudência, depois de ter se comportado de maneira tão descuidada – para dizer o
mínimo – em todo o lamentável episódio envolvendo a delação premiada do
empresário Joesley Batista.
Janot veio a público anteontem para informar que Joesley
deliberadamente omitiu da Procuradoria-Geral informações cruciais em sua delação,
especialmente o fato de que o empresário contou com a orientação ilegal de um
auxiliar de Janot, o procurador Marcelo Miller, para produzir a bombástica
delação contra o presidente Michel Temer e conseguir o precioso acordo que lhe
garantiu imunidade total. No mesmo instante, o procurador-geral tinha por
obrigação reconhecer que foi feito de bobo por um criminoso confesso e que não
está à altura do cargo que ocupa.
Seria uma forma de reduzir um pouco o terrível dano que
Janot causou ao trabalho dos que levam a sério a luta contra a corrupção. Pois
o fato é que o procurador-geral da República se deixou seduzir pela
possibilidade de pegar ninguém menos que o presidente da República, cuja cabeça
lhe foi oferecida pelo finório Joesley Batista. Sem tomar a devida precaução,
Janot considerou que a delação de Joesley e o flagrante armado pelo empresário
contra Temer bastavam como prova de que o presidente da República, em suas
palavras, “ludibriou os cidadãos brasileiros”. Vê-se agora quem foi ludibriado.
Em sua ação imprudente, Janot desconsiderou as suspeitas
que recaíam sobre o procurador Marcelo Miller, que teria ajudado Joesley a
preparar a delação contra Temer. Na época, o procurador-geral chegou a dizer
que nada havia contra Miller, mesmo quando se soube que seu auxiliar havia
pedido exoneração do cargo de procurador para trabalhar no escritório de
advocacia que negociava o acordo de leniência da empresa de Joesley, a JBS. A
exoneração veio a público no dia 6 de março, véspera do encontro entre Joesley
e Temer no qual o empresário grampeou o presidente.
Quando Janot apresentou a denúncia contra Temer, ficou
claro que o procurador-geral não tinha nada além de ilações. Evidenciou-se,
então, que a inacreditável generosidade do acordo com Joesley, que em si mesma
já era injustificável, não resultou em nada senão em doce impunidade para o
esperto açougueiro.
Mesmo assim, Janot chegou a dizer, em evento recente, que
“faria tudo de novo”, ou seja, que daria imunidade total a Joesley em troca do
que o empresário tivesse a dizer contra Temer, ainda que fossem apenas
meias-palavras, conversas cifradas e frases entrecortadas, que podiam ser
interpretadas ao gosto do freguês.
Não era à toa, portanto, que Joesley se sentia tão à
vontade. Cuidados básicos foram negligenciados pela Procuradoria-Geral, com
aval do ministro Edson Fachin, antes que a denúncia contra Temer fosse
apresentada. Nem mesmo uma perícia foi feita nas gravações que supostamente
incriminavam o presidente. Quando ficou claro que as armações de Joesley não
produziram as provas que Janot tanto alardeou, mesmo passados dois meses do
escândalo, o Supremo Tribunal Federal deu outros 60 dias para que o empresário
entregasse prometidos anexos que supostamente corroborariam o que ele dizia.
Estava claro que, das duas, uma: ou Joesley não contou tudo o que sabia,
protegendo sabe-se lá quem, ou contou tudo e, diante dos efeitos pífios,
parecia querer manter o País em suspense com a promessa de mais informações,
justificando a imunidade penal que ganhou de presente de Janot.
Tudo ficou ainda mais confuso quando se soube que Joesley
tinha mais 40 horas de gravações que havia apagado do aparelho que entregou
para perícia da Polícia Federal (PF). Quando circulou a informação de que a PF
começou a resgatar esses arquivos, Joesley correu a entregar os áudios que
faltavam.
É diante de fatos como esses que qualquer observador de
bom senso há de questionar as intenções de Joesley Batista. E a competência de
Rodrigo Janot. Ao procurador-geral faltaram tino profissional e bom senso. E de
nada adianta vir agora dizer que tudo foi feito de “boa-fé”. Não se brinca
dessa forma com o País.
*Publicado no Portal Estadão em 06/09/2017
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