Mercosul pune Maduro*
Reunidos em São Paulo, no sábado passado, os chanceleres
do Brasil,
Argentina, Paraguai e Uruguai anunciaram, como já era
esperado, a suspensão
da Venezuela do organismo por rompimento da ordem
democrática
A reação do Mercosul à escalada autoritária do chavismo,
que deixou de lado os disfarces enganadores e se mostrou ao mundo como a reles
ditadura que sempre esteve na sua origem e mergulhou a Venezuela numa profunda
crise econômica e social, condena o regime presidido por Nicolás Maduro a um
isolamento internacional que, a julgar pela repercussão negativa de suas ações,
só tende a se acentuar. Reunidos em São Paulo, no sábado passado, os
chanceleres do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai anunciaram, como já era
esperado, a suspensão da Venezuela do organismo por rompimento da ordem
democrática.
Uma medida semelhante já havia sido adotada em abril, mas
pelo fato de a Venezuela não ter incorporado à sua legislação uma série de
normas do bloco, como estava obrigada a fazer de acordo com compromisso
assumido com seus parceiros. Desta vez, a sanção é política. Trata-se da
aplicação do chamado Protocolo de Ushuaia, que estabelece o Compromisso
Democrático dos membros do Mercosul. Houve uma “ruptura da ordem democrática”
na Venezuela que tornou inevitável sua suspensão do bloco.
A punição só cessará quando se verificar “o pleno
restabelecimento da ordem democrática” naquele país. Os chanceleres lembram no
comunicado divulgado após a reunião que as consultas destinadas a buscar um
acordo malograram por responsabilidade do governo venezuelano. Diante disso,
não restava ao bloco outra atitude que a suspensão. Ao explicar a razão pela
qual o bloco exige o regime democrático de seus membros, o chanceler Aloysio
Nunes afirmou que não se deve esquecer que o Mercosul só se “organizou depois
do restabelecimento da democracia em nossos países”.
A gota d’água que precipitou a suspensão da Venezuela foi
a convocação por Maduro da eleição de uma Assembleia Constituinte, jogo de
cartas marcadas para lhe garantir instituições de fachada e plenos poderes.
Tanto foi assim que, tão logo ela se instalou – e no mesmo no local da
Assembleia Nacional, na qual a oposição tem maioria, e cujo funcionamento será
na prática inviabilizado –, tomou duas decisões que interessam de perto a
Maduro. Uma é o funcionamento da Constituinte por dois anos, o que deixa em
suspenso a realização da eleição presidencial do próximo ano.
Outra foi a destituição da procuradora-geral de Justiça,
Luisa Ortega Díaz – dissidente do chavismo que se tornou uma das críticas mais
duras do regime –, pois só os ingênuos acreditam que a presidente da
Constituinte, Delcy Rodríguez, se limitou a ler a decisão a respeito tomada
pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ). É notório que ele faz o que mandam
Maduro e seus acólitos. Além de perder o cargo, a procuradora teve bens e
contas bloqueados. Como se isso não bastasse, foram mais do que constrangedoras
as cenas de sua tentativa de ingressar na sede da Procuradoria.
Sua integridade física esteve seriamente ameaçada. Ela
quase foi agredida por militares que cercavam o prédio para impedir sua
entrada. Um de seus seguranças foi preso e ela teve de ser retirada às pressas
do local na garupa de uma motocicleta. O episódio repercutiu mal na cena
internacional. O governo brasileiro condenou imediatamente a “destituição
arbitrária e ilegal” de Ortega Díaz, afirmando que ela confirma a “instauração
de um estado de exceção na Venezuela”.
Não é apenas na frente internacional que Maduro e seu
regime em escalada autoritária enfrentam problemas. Na madrugada de domingo,
rebelião comandada por um capitão e um tenente do Exército, no Forte Paramacay,
na cidade de Valencia, no norte do país, mostrou que o apoio dos militares ao
regime não é tão firme e incondicional como o governo proclamava. “Nós nos
declaramos em rebelião legítima e denunciamos a tirania assassina de Nicolás
Maduro”, afirmou o capitão Juan Caguaripano.
O governo afirma ter sufocado rapidamente o levante. Mas
fica a dúvida sobre a solidez de seu apoio militar. E, enquanto isso, continua
a perder apoio popular e diplomático.
*Publicado no Portal Estadão em 08/08/2017
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