Entre mortos e feridos*
Temer recomeça, PSDB perde, DEM ganha, PT sobrevive.
O
‘povo’? Sumiu
Eliane Cantanhêde
Balanço da votação da denúncia contra o presidente Michel Temer pela Câmara: o governo ganha um recomeço, o PSDB foi o que mais perdeu, o PT demonstrou que tem sobrevida, o DEM foi o maior vencedor. E o “povo”? Não estava nem aí.
A sensação não só no Planalto como em toda Brasília é que
Temer vai enfrentar solavancos, mas conseguirá atravessar a pinguela, avançar
na pauta legislativa e concluir o mandato. A questão é saber como Temer fica,
com quem e para quê.
Boa parte das respostas está nas planilhas da votação
pela qual a Câmara barrou a denúncia da PGR contra Temer por corrupção passiva.
Há vitórias e vitórias. Foram 263 votos contra a denúncia, 227 a favor, 19
ausências e duas abstenções, resultado suficiente para manter o mandato, não
para garantir as reformas. Não foi um banho.
O PT se dividiu quanto à estratégia de dar ou não quórum,
mas aproveitou bem a exposição em horário nobre, votou em bloco com a oposição
pela continuação do processo contra Temer no Supremo e condenou a reforma da
Previdência. Um populismo irresponsável, mas que anima a militância e serve de
isca para pescar votos, por exemplo, do funcionalismo.
Parte inferior do formulário
Já os partidos governistas fizeram a farra e tiveram de
tudo, enquanto o PSDB rachou exatamente ao meio: 22 pró-Temer e 21 contra,
apesar da orientação do líder, Ricardo Tripoli, homem de Geraldo Alckmin no
Congresso.
O Planalto lembra que faltaram “só” 45 votos para os 308
necessários em mudanças constitucionais, como a reforma da Previdência, que
volta com tudo à pauta nacional. E espera que muitos aliados que votaram contra
Temer anteontem agora votem a favor das reformas, até mesmo da
Previdência.
É o caso do PSDB, que vai ficar até o final do ano com
Aécio Neves fingindo que é só um presidente licenciado e Tasso Jereissati
encenando o presidente “interino”, mas ambos, como as bancadas na Câmara e no
Senado, já anunciam apoio às reformas. Os tucanos racham diante de tudo, mas se
unem a favor da modernização das regras trabalhistas (já aprovada) e
previdenciárias (a ser votada).
O dilema do PSDB, porém, não é apenas diante de Temer, de
denúncias, de cargos e de reformas. É uma crise de identidade, de lideranças e
de indefinição quanto ao futuro. Fora do poder, eles já estão se matando;
imagine se voltarem ao poder...
Se o PSDB reboca o DEM (ex-PFL) desde a primeira eleição
de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, não está descartada a migração de parte
dos tucanos para o novo partido que o DEM articula com os dissidentes do PSB. À
frente, o prefeito de Salvador, ACM Neto, para quem o céu é o limite, e o
presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um dos raríssimos políticos em ascensão
nesse ambiente de terra arrasada.
Maia cresceu na crise, conquistou o respeito de seus
pares e da mídia, esfregou sua lealdade na cara de Temer e dos palacianos. E
não se pode esquecer que ele é de um Estado em que, entre mortos e feridos,
muito poucos se salvam. Depois de explodir Sérgio Cabral, os escândalos
começaram ontem a se aproximar do ex-prefeito Eduardo Paes.
Para Temer, porém, a balança neste momento é entre o
PSDB, o aliado chique e temperamental, e o Centrão, nada chique e muito
pragmático. Quanto mais o PSDB escapulir, mais o Centrão vai entrar no governo.
Mas o que realmente interessa é que todos eles, juntos, vão embalar a reforma
da Previdência.
Janot. Rodrigo Janot foi derrotado? Nem tanto. Os
que votaram contra a denúncia justificaram com a economia, raramente contra o
conteúdo. E a autorização da Câmara é justamente para isso: contrabalançar a
motivação jurídica com a conveniência política (até do País).
*Publicado no Portal Estadão em 04/08/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário