Em votação na quarta-feira passada, a Câmara retirou do
texto
da reforma política o valor estabelecido para o fundo público
a ser
criado para o financiamento eleitoral
A reforma política, como era esperado, de reforma não
terá nada. Pelo andar da carruagem, serão aprovadas medidas que apenas reduzem
um pouco as tremendas distorções do sistema eleitoral atual. Seja como for,
comparando-se ao monstrengo ao qual se pretendia dar vida quando a discussão
começou, pode-se dizer que houve algum avanço – produzido, enfatize-se, pela
reação negativa da opinião pública à esperteza dos políticos interessados em
facilitar a manutenção de seus mandatos e dos meios de financiar suas campanhas
sem fazer força.
Em votação na quarta-feira passada, a Câmara retirou do
texto da reforma política o valor estabelecido para o fundo público a ser
criado para o financiamento eleitoral. No texto original, pretendia-se destinar
nada menos que 0,5% da receita corrente líquida da União, resultando em algo em
torno de R$ 3,6 bilhões.
Isso significa que, se vier a ser aprovado, o tal fundo
terá seu valor estabelecido na discussão sobre o Orçamento. Pode-se prever que
haverá dificuldades para justificar essa despesa diante das grandes prioridades
nacionais, especialmente levando-se em conta que há um teto obrigatório para os
gastos públicos.
O clima no Congresso indica que os parlamentares estão
conscientes da dificuldade de convencer os eleitores a permitir a criação do
fundo mesmo com a exclusão do bilionário valor preestabelecido. O presidente da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a aprovação, hoje, “é muito difícil” –
e sugeriu que os candidatos na eleição de 2018 “comprem um bom celular de alta
definição”, para reduzir os custos de produção da propaganda eleitoral. À parte
a blague, Maia admite que campanhas mais baratas serão “uma boa experiência”,
pois resultarão em algo “mais próximo da realidade da vida das pessoas do que
essas campanhas milionárias”.
Assim como não há hoje votos suficientes para aprovar o
fundo eleitoral, também parece não haver para aprovar o chamado “distritão”,
mecanismo esdrúxulo em que cada Estado se torna um distrito eleitoral e são
eleitos os candidatos mais votados. Na prática, a eleição à Câmara passaria a
ser majoritária, favorecendo os caciques partidários, os atuais mandatários e
os nomes mais famosos, em detrimento dos partidos e de seus programas.
Enquanto essas manobras vão perdendo força, avançam no
Congresso algumas medidas simples que podem ter efeito saneador no sistema
eleitoral e de representação, a depender de seu formato final. A comissão de
reforma política na Câmara aprovou o texto-base de uma Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) que acaba com as coligações partidárias e estabelece
cláusula de desempenho já para as próximas eleições. Segundo a PEC, partidos
que não atingirem 1,5% dos votos válidos nacionalmente, em pelo menos nove
Estados, não terão representação no Congresso. O porcentual vai aumentando
gradativamente, a cada eleição, até chegar a 3% em 2030.
O texto prevê ainda que os partidos poderão formar
federações. À primeira vista, trata-se de uma maneira de assegurar que partidos
ameaçados de extinção em razão da cláusula de desempenho possam sobreviver e
continuar a usufruir dos recursos do Fundo Partidário. Mas o formato das
federações, ao obrigar que seus integrantes tenham “afinidade programática”
entre si e que permaneçam unidos ao longo de toda a legislatura, reduz em
teoria a possibilidade de formação de alianças escalafobéticas cujo único
objetivo é ganhar eleições – tal como acontece hoje, quando o eleitor que vota
em um partido nem sabe que seu voto ajuda a eleger candidatos de outras legendas
cuja plataforma, quando existe, é completamente diferente daquela que apoia. Em
compensação, a comissão aprovou uma tal de subfederação que, na verdade, anula
os efeitos das federações sobre o sistema eleitoral. É um fantasma a ser
esconjurado.
Essas poucas medidas são obviamente insuficientes para
resolver os problemas de fundo do nosso modelo de representação, mas ao menos
obrigam os partidos políticos a pensar um pouco mais no eleitor, se quiserem
sobreviver.
*Publicado no Portal Estadão em 26/08/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário