O PT desafia Moro*
Partido quer ditar decisões da Justiça:
aos companheiros, impunidade; aos inimigos, cadeia
Na campanha eleitoral de 2014 o então presidente nacional
do PT, Rui Falcão, proclamou com ênfase na propaganda televisiva: “O PT é uma
instituição com milhões de filiados e simpatizantes em todo o Brasil. Gente
como você, que sempre sonhou e lutou por um país mais justo e solidário. Gente
que não convive nem é conivente com ilegalidades e quer, igual a você, o fim da
impunidade. Por isso, qualquer petista que cometer malfeitos e ilegalidades não
continuará nos quadros do partido”. Em seguida, o apresentador do programa
enfatizava: “Você ouviu. Qualquer petista que ao final do processo for julgado
culpado será expulso”.
Quase três anos depois, premido pela necessidade de
sobrevivência que é hoje sua preocupação prioritária e pela iminência da
divulgação da primeira sentença do juiz Sergio Moro relativa a uma das cinco
ações penais a que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva responde na
Justiça por corrupção e outros delitos, o PT mudou de discurso e se prepara
para “dar a resposta adequada para qualquer sentença que não seja absolvição
completa e irrestrita” do ex-presidente. É o que afirma a nova presidente
nacional da sigla, senadora Gleisi Hoffmann (PR), em nota oficial. Esse foi um
dos temas dominantes na reunião da executiva estadual do PT realizada em São
Paulo, com a presença de Lula, na qual se discutiu a mobilização da militância
para, se for o caso, levar às ruas de todo o País o protesto contra a
“perseguição” movida contra o líder petista pelo juiz Sergio Moro.
Coerência é, como se sabe, algo que não pode ser cobrado
do PT. A prova indesmentível disso é que Lula conquistou sua primeira vitória
na disputa pela Presidência da República, em 2002, por ter mandado a arenga
esquerdista às favas e ter-se declarado, na famosa Carta aos Brasileiros,
fiel convicto da política “neoliberal” com a qual o governo anterior, do tucano
Fernando Henrique Cardoso, havia saneado as finanças públicas, dominado a
inflação e colocado o País na rota do crescimento econômico. Tendo sucedido a
Lula na Presidência da República, Dilma Rousseff se encarregaria de pôr tudo a
perder, mas essa é outra história.
Agora, as preocupações de Lula são mais prosaicas e têm a
ver com evitar a todo custo o mesmo destino de seus antigos braços direitos
José Dirceu, Antonio Palocci e Guido Mantega, seriamente encrencados na
Justiça. É hora, portanto, de radicalizar o discurso. Se tiver a ousadia de
condenar Lula no processo que trata do famoso triplex do Guarujá, Moro estará
tomando uma decisão “seletiva”, “baseada apenas em delações premiadas”,
completamente “sem provas”.
Três anos atrás, em campanha para reconduzir Dilma
Rousseff à Presidência da República, o PT precisava posar de paladino da
moralidade, apesar de já estar evidente que se investigava a corrupção em seus
governos. Com a reeleição de Dilma e seus primeiros correligionários colocados
atrás das grades, o PT sentiu-se, mais do que à vontade, na obrigação de partir
para cima da Lava Jato.
Sem abandonar o argumento de que eram
“vítimas” de perseguição política, os petistas embarcaram na onda nacional de
protestos contra os excessos que passaram a ser praticados por alguns agentes
da operação. A grande diferença, porém, é que, enquanto os verdadeiros
democratas continuam apoiando firmemente a Lava Jato e lutando para mantê-la
rigorosamente dentro da lei, o PT quer acabar com as investigações de corrupção
e ditar as decisões da Justiça: para os companheiros, impunidade; para os
inimigos, cadeia.
*Publicado o Portal Estadão em 09/07/2017
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