O que o sr. Joesley não disse*
O Brasil quer saber por que o empresário preservou
os
reais parceiros de sua trajetória de pilhagens,
os verdadeiros contatos de seu
submundo
Nada de novo apresentou o senhor Joesley Batista em sua
rumorosa entrevista à revista Época,
na qual o dono da JBS se disse vítima de políticos corruptos. A mesma
estratégia foi tentada por outros empresários implicados nos sucessivos
escândalos que, desde a infausta era lulopetista, infortunam o Brasil. Digno de
nota, contudo, foi o esforço do senhor Joesley Batista para livrar o
ex-presidente Lula da Silva de qualquer responsabilidade direta pelo surto de
corrupção. O empresário, cuja trajetória de sucesso está ligada a generosos
benefícios estatais obtidos durante os governos petistas, limitou-se a atribuir
a Lula e ao PT, genericamente, a “institucionalização da corrupção” no País,
mas assegurou, pasme o leitor, que nunca teve alguma “conversa não republicana”
com o chefão petista, a quem, segundo deu a entender, mal conhecia. Em compensação,
o presidente Michel Temer, este sim, é o chefe “da maior e mais perigosa
organização criminosa deste país”.
Manda o bom senso que se procure compreender o contexto
em que os acontecimentos se dão, antes de lhes atribuir ares de fato verídico.
No caso de Joesley Batista, desde sempre está claro que a palavra deste senhor
deve ser recebida com muitas reservas, pois não são poucos os interesses em
jogo – os dele próprio e os daqueles que o patrocinaram durante os governos
petistas.
A entrevista aparece no momento em que se questionam os
termos de sua delação premiada à Procuradoria-Geral da República. Como se sabe,
o empresário não passará um único dia na cadeia depois de ter gravado
clandestinamente uma conversa com Michel Temer, na qual o presidente, na interpretação
do Ministério Público, teria se confessado corrupto. Ao reafirmar suas
acusações a Temer, nos termos mais duros, Joesley Batista parece mais
interessado em justificar o generoso perdão que recebeu do procurador-geral da
República, Rodrigo Janot – embora tenha, ele próprio, confessado centenas de
crimes, que, em circunstâncias normais, lhe renderiam uma longa temporada na
cadeia.
Na entrevista, o senhor Joesley Batista não se limitou a
acusar Michel Temer. Sua intenção era demonstrar que “o problema (da corrupção)
é estrutural, é pluripartidário”. Por essa razão, o empresário resolveu
grampear o senador Aécio Neves, a quem ele chama de “número 2”, sendo que o
“número 1” é Temer. Joesley Batista disse que precisava “fazer uma ação
indiscutível para o entendimento da população e do Ministério Público”, isto é,
armar um flagrante contra Aécio. O empresário, é claro, disse que sua missão
era esclarecer que todos os políticos com os quais lidou são igualmente
corruptos: “Se o Brasil não entendesse que o 2 era igual ao 1, o Brasil ia
achar que a solução era substituir 1 por 2. Mas o 2 é do mesmo sistema”. Talvez
o senhor Joesley Batista acredite que o País, em vez de questionar suas
intenções, tenha de lhe ser grato.
Ao mesmo tempo, o senhor Joesley Batista espera que todos
acreditem quando ele diz que teve contatos apenas esparsos com Lula da Silva e
que só conversou sobre o pagamento de propinas para o PT com o então ministro
da Fazenda, Guido Mantega. Naquela época, aparentemente o senhor Joesley Batista
não se incomodava com a corrupção no governo, pois não gravou nenhuma conversa
comprometedora com os petistas que o achacavam. E isso talvez se explique pelo
fato de que, durante os governos petistas, a JBS saiu de um faturamento de R$ 4
bilhões em 2005, ano em que recebeu seu primeiro financiamento camarada do
BNDES, para R$ 183 bilhões em 2016. O banco estatal de desenvolvimento
tornou-se sócio da JBS, com 21% de participação, atrelando-se ao senhor Joesley
Batista por razões que somente Lula da Silva pode explicar. O empresário, é
claro, jura que “as relações com o BNDES foram absolutamente republicanas”.
Mas o senhor Joesley Batista terá a oportunidade de
esclarecer na Justiça todos esses aspectos obscuros de suas acusações. Conforme
nota oficial, o presidente Michel Temer decidiu processar o empresário,
obrigando-o a explicar por que preservou, na delação e na entrevista, “os reais
parceiros de sua trajetória de pilhagens, os verdadeiros contatos de seu
submundo”. O Brasil também quer saber.
*Publicado no Portal Estadão em 20/06/2017
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