Lula será preso*
À luz da razão, não há como ele escapar
da Justiça. Mas
haverá razão?
Lula será preso. Não há como não ser. Os depoimentos dos
delatores da Odebrecht expõem de tal forma as relações promíscuas do
ex-presidente com a empreiteira, que tornam impossível sua absolvição, mesmo
num país tolerante ao cinismo, como é o Brasil.
Lula era quase que um funcionário da Odebrecht. E
provavelmente mantinha relacionamentos semelhantes com outras empresas, como a
OAS e a Andrade Gutierrez.
Ele ter feito isso, justamente ele, é uma tragédia para o
Brasil. Porque o maior de todos os crimes de corrupção é aquele cometido por
quem pediu voto. Lula passou a vida inteira pedindo voto, passou a vida inteira
fazendo juras e promessas, garantindo à população que merecia a sua confiança.
Essa foi a vida de Lula.
Emílio Odebrecht, com toda a sua desfaçatez, com aquela
suave insolência que demonstra nos depoimentos, ao lado de um advogado de
defesa risonho e silencioso, Emílio Odebrecht, mesmo tendo admitido tudo o que
fez, durante todo o tempo que fez, esse Emílio Odebrecht que quase debocha de todos
nós é digno de mais complacência do que Lula. Porque Emílio Odebrecht jamais
implorou pelo voto da população.
Lula, sim.
Lula implorou. Lula ganhou. Lula traiu.
Qualquer um que faça um exame racional do que está
acontecendo no país chegará à conclusão de que Lula tem de ser condenado e, por
consequência, preso.
Mas será que existe essa racionalidade no Brasil?
Lula virou uma espécie de santo malandro, um tipo
divertido e cheio de recursos que viceja no imaginário nacional. Mário de
Andrade identificou bem esse herói da alma brasileira ao construir Macunaíma,
que, em vez de gritar "Shazam!" ou "Pelos poderes de
Grayskull!", suspirava:
– Ai, que preguiça...
Os nossos grandes personagens da TV e do cinema são
parecidos: o Didi Mocó, de Renato Aragão; o Bronco, de Ronald Golias; o
Agostinho, da Grande Família. Pode escolher. Há dezenas de tipos manemolentes,
de alegria constante e moral inconstante, que encantam o brasileiro. E não é só
o brasileiro da TV aberta e do vale-refeição, nada disso. Quem mais se deixa
fascinar pelo "ex-pobre que venceu pela esperteza" é a
intelectualidade. Para o luminar de esquerda, Lula fala a inescrutável
"linguagem do povo", Lula tem um conhecimento íntimo das engrenagens
e roldanas da nação que ele, luminar de esquerda, jamais alcançará. É algo além
da razão, instintivo, animalesco. Coisa de pobre para pobre. Não por acaso, o
maior artista brasileiro e maior apoiador de Lula, Chico Buarque, é, também,
autor de uma histórica Ópera do Malandro. Lula poderia ser o tenor da Ópera do
Malandro de Chico.
Lula, esse personagem escorregadio, pleno de artimanhas,
capaz de se jactar em público de ter erguido um estádio para o seu time do
coração com dinheiro do empreiteiro amigo, capaz de mobilizar CUTs, Calheiros e
Collors, capaz de seduzir estudantes de barba rala e padres venerandos da
Teologia da Libertação, capaz de, em suas palavras, eleger um poste para a
Presidência da República, Lula perderá sua auréola de santo malandro? O Brasil
compreenderá que não precisa de santos malandros? Ou, com a queda de um santo,
logo outro será levantado em seu lugar?
Não é simples ser brasileiro.
*Publicado no clicRBS em 21/04/2017
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