Governo de Jucás*
O risco de Temer é criar dois governos, um 'provisório'
fora
e um 'provisório' dentro
Eliane Cantanhêde
Desde ontem, a partir do pronunciamento do presidente
Michel Temer pela TV, o governo está nas mãos de uma pessoa: Rodrigo Janot, o
procurador-geral da República, a quem cabe oferecer denúncia contra os
implicados na Lava Jato. Basta Janot denunciar os ministros “A”, “B” ou “C”
para que sejam afastados “provisoriamente”. E, pelo andar da carruagem, as
denúncias podem ser de “A” a “Z”.
Na fala de Temer, os denunciados sairão apenas
provisoriamente, até que o Supremo decida acatar, ou não, a denúncia. Se acatar,
o ministro virará réu e estará permanentemente fora do governo. Se não, volta
ao cargo. O horizonte é de um duplo governo: o dos que saírem provisoriamente e
os seus substitutos também provisórios.
O risco é virar um governo de Jucás, referência a Romero
Jucá, que só resistiu uma semana e meia no Planejamento. Suspeito de ter
recebido propina da Petrobrás, foi alvejado depois de uma conversa gravada pelo
traidor-mor da República, Sérgio Machado, em que falava de um “pacto” para
barrar a Lava Jato. Quando Henrique Alves e Geddel Vieira Lima despencaram,
sumiram do mapa. Mas Jucá, igualmente muito próximo de Temer, ficou no limbo.
Senador pelo PMDB-RR, ele encenou um velho script.
Primeiro, disse que “não devia nada a ninguém” e não havia motivos para se afastar.
Pressionado pela opinião pública, anunciou que pediria uma “licença” – que é,
por definição, “provisória”. Vencido pelos fatos, admitiu a exoneração, já que
ele reassumiria sua vaga no Senado. Assim, tornou-se, simultaneamente, líder do
governo no Senado e ministro do Planejamento de fato. Até que a realidade se
impôs e o “provisório” Dyogo Oliveira assumiu de direito. Demorou...
No pronunciamento de ontem, sem direito a perguntas,
Temer colocou o seu governo nas mãos de Janot e diante da perspectiva de virar
um “governo de Jucás” porque precisava desesperadamente reagir à versão comum
de que ele comanda a resistência do Congresso, em geral, e do PMDB, em
particular, à Lava Jato. Na avaliação palaciana, Temer tinha de se “descolar”
desse imenso desgaste. (Até porque ele não tem popularidade para queimar.)
Ao se comprometer em afastar “provisoriamente” ministros
denunciados e permanentemente os que se tornarem réus na Lava Jato, Temer fez
um cálculo de risco. O mandato de Janot na PGR termina em setembro e, portanto,
ele tem sete meses para fazer um “strike provisório” na Esplanada dos
Ministérios. Depois, é preciso o Supremo acatar a denúncia para finalizar o
jogo. Logo, Temer deu uma resposta à sociedade, mas provavelmente conta com a
lentidão na coleta de provas e nos julgamentos.
Detalhe: a maioria dos ministros deve concorrer às
eleições de 2018, tendo pouco mais de um ano para desfrutar de foro
privilegiado. Hoje, eles são um problemaço para Temer, que governa espiando a
PGR, o STF e as manchetes sobre delações da Odebrecht. Depois da
desincompatibilização, é cada um por si, Deus por todos e um desses juízes
Sérgio Moro no cangote. Tudo parece uma questão de tempo. Ontem, Temer ganhou
exatamente isso: tempo.
Cizânia. Está em gestação um pacote que pretende
aquecer o turismo no Brasil, mas está é esfriando as relações entre o chanceler
José Serra e Eliseu Padilha (Casa Civil) e Marx Beltrão (Turismo). O motivo é
uma MP dispensando vistos para turistas dos EUA, Austrália, Canadá e Japão por
dois anos. Serra é contra e simplesmente não foi nem enviou representante a uma
reunião na Casa Civil, ontem, com Padilha, Beltrão, Dyogo Oliveira e suas
equipes. A nova data é terça que vem e Beltrão adverte: “O turismo dá uma
resposta rápida para a recuperação econômica, mas não se consegue abrir o País
para o mundo sem o Itamaraty como protagonista”. Impasse...
*Publicado no Portal Estadão em 14/02/2017
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